São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2010

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Para alguns na Espanha, peso do desemprego é leve

Estar sem trabalho e viver de seguro é normal em Cádiz

Por RACHEL DONADIO

CÁDIZ, Espanha - Além de sua luz rosada do Atlântico e da distinção de ser a cidade mais antiga da Europa, esse posto-avançado da Andaluzia é mais conhecido por duas coisas: seu famoso carnaval e o desemprego crônico.
Ambos estavam devidamente expostos em uma tarde de fevereiro, enquanto um grupo de músicos ambulantes chamado Vou Começar na Segunda-feira cantava uma chirigota, ou canção satírica. A multidão gritava, de copos na mão, enquanto o grupo cantava sobre um anjo no ombro do narrador que lhe dizia para "crescer" e arranjar um emprego; enquanto um demônio no outro ombro dizia: por que se dar ao trabalho? Divirta-se.
A canção explica muito sobre a situação em Cádiz, sul da Espanha. O desemprego chegou a 19% no país, o maior entre países da zona do euro, após o colapso de uma bolha habitacional. Mas, em Cádiz, é de incríveis 29% -e está em dois dígitos há décadas.
Em outros lugares da Europa, números tão altos levariam a uma profunda inquietação social. Mas, em Cádiz, como em todo o Mediterrâneo, a vida continua confortável graças a uma complexa rede de segurança em que a economia informal, o apoio da família e os subsídios do governo garantem uma qualidade de vida relativamente alta.
"Este é um lugar onde você pode viver bem, mesmo desempregado", disse Pilar Castiñeira, 30. "A vida dura quatro dias", ela acrescentou, repetindo um ditado espanhol. "Em um você nasce, no outro morre e nos dois intermediários precisa se divertir."
Esse foi o caso durante o carnaval, no início de fevereiro. As pessoas caminhavam pelo pitoresco centro da cidade bebendo, escutando os músicos ambulantes e comendo peixe frito.
Mas há outras realidades além de ir de bar em bar. Miguel Cervera García, 47, explicou como faz para fechar as contas do mês. Ele disse que havia colhido azeitonas e trabalhado como encanador, mas nunca oficialmente. "Sempre trabalhei, mas sem contrato." E acrescentou que os empregos formais são melhores, "já que você tem previdência social e licenças médicas".
Os impostos na folha de pagamento e os benefícios ao desemprego são altos na Espanha, e muitos os evitam contratando trabalhadores por baixo do pano ou oferecendo contratos temporários, sem os altos custos de contratação e demissão.
Autoridades estimam que a economia paralela na Espanha represente pelo menos 20% da economia oficial. Na Andaluzia, acredita-se que seja maior.
Juan Bouza, a principal autoridade do emprego em Cádiz, reiterou um princípio central do presidente de governo José Luis Rodríguez Zapatero em relação à crise: ampliar os benefícios ao desemprego mesmo que o deficit estatal esteja crescendo. "Não pensamos que as pessoas vão encontrar emprego com maior facilidade se retirarmos a ajuda", disse Bouza. "As pessoas mais fracas precisam de ajuda."
Para alguns, a aceitação cultural do desemprego faz parte do problema. "Para a maioria das pessoas daqui, estar desempregado e viver dos benefícios do Estado é perfeitamente natural", disse David Pantoja, 36, carpinteiro sem trabalho que fundou uma associação de desempregados em Cádiz.
A cidade fica no lado ventoso do Atlântico. Bouza falou sobre a região como uma peça central no plano do governo de transformar a Espanha em um polo de projetos de energia renovável. "Este será o Vale do Silício da energia renovável", ele disse.
Mas nem todos acreditam nisso. "Disseram que em 2012 Cádiz seria uma cidade dormitório" para as áreas industriais próximas, disse Esteban Vias Casais, 58, operário fabril aposentado. Mas a cidade já é um, ele acrescenta, piscando um olho. "Aqui todos dormem, e ninguém trabalha!"


Colaborou Lucia Magi


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