São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2010

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EDUCAÇÃO

Ensino superior haitiano vive vácuo no pós-tremor

Por MARC LACEY

PORTO PRÍNCIPE, Haiti - As melhores universidades do Haiti estão em ruínas. Seus campi foram reduzidos a pilhas de concreto quebrado, cadeiras destroçadas e materiais didáticos soterrados. Centenas de professores e alunos ficaram sob os escombros, mas é difícil saber o número exato de mortos porque o terremoto também destruiu listas de classes e registros de computadores.
"Você está em sala de aula ouvindo seu professor e, no instante seguinte, está soterrada", disse Christina Julme, 23, contando como seu semestre letivo na Universidade do Estado foi interrompido na tarde de 12 de junho.
Enfraquecida e alternando desmaios com estados despertos, Julme foi retirada dos escombros de sua sala de aula depois de passar dois dias com a perna de seu professor morto encostada nela, com o rosto de uma amiga ferida a centímetros do dela e cercada por corpos de colegas em decomposição.
A aniquilação do ensino superior deve exercer efeitos de longo prazo sobre o país devastado, onde, mesmo nos melhores dos tempos, apenas uma parcela minúscula dos jovens frequentava a universidade.
"O que o terremoto fez, além de derrubar construções e matar boa parte da população, foi aniquilar muitos daqueles que seriam os futuros líderes do país", disse Louis Herns Marcelin, sociólogo da Universidade de Miami que dirige um instituto de pesquisas em Porto Príncipe. "O impacto foi tremendo, mas ainda não conseguimos nem sequer dimensioná-lo."
A principal escola de enfermagem do Haiti desapareceu, assim como a faculdade de medicina. O prédio de ciências da universidade pública haitiana foi aberto ao meio, e o prédio da faculdade de pedagogia está tombado para o lado. Na Faculdade de Tecnologia, Jean Foubert Dorancy, 22, escalou uma pilha de escombros, com partes de computadores espalhados por todo lado, e lamentou: "Esta era a melhor escola de computação no Haiti. E agora, o que eu vou fazer?"
O sistema de ensino que caiu por terra já enfrentava muitos problemas. Muitos de seus prédios estavam em mau estado, fruto de décadas de descaso. As salas de aula eram superlotadas, e muitos dos estudantes tinham preparo acadêmico medíocre. Os filhos da elite haitiana frequentemente iam estudar no exterior e não voltavam.
"A maioria de meus amigos não estudava, passava o tempo na rua", contou Jacques Gaspard, 38, matriculado em uma escola de comércio que também foi destruída. "Agora eu também estou na rua. Todo o mundo está."
Até o final do longo domínio dos Duvalier, em 1986, a universidade pública do Haiti era o único lugar do país onde era possível obter um diploma universitário. Desde então, dezenas de outras faculdades foram abertas. Muitas são instituições precárias e não credenciadas, mas outras são escolas de bom nível, abertas a estudantes de talento, independentemente de seus recursos.
Já há planos para reativar as universidades haitianas, com aulas a serem dadas em barracas ou estruturas temporárias. E há alguns sinais precoces de que as universidades haitianas poderão ser reerguidas em construções melhores. Em Quisqueya, o diretor assistente da faculdade de engenharia, Evenson Calixte, disse que, de agora em diante, o ensino de geologia será obrigatório, para que os estudantes entendam como ocorrem os terremotos. Atenção especial será dada aos códigos de construção civil, disse ele.
Pode-se afirmar que foi a escassez de profissionais instruídos no Haiti que fez com que uma parte tão grande do país ruísse por terra no terremoto. "Há uma falta total de arquitetos, urbanistas, construtores e especialistas em zoneamento", disse o americano Conor Bohan, fundador do Programa Haitiano de Educação e Liderança, que fornece bolsas de estudos.
Com as aulas suspensas, muitos estudantes aproveitam para ajudar na recuperação do país. Estudantes de medicina ajudam em hospitais e campanhas de vacinação. Alunos de psicologia estão conversando com desabrigados. Christina Julme, que estudava comunicações, conseguiu um emprego na rádio da ONU.
Falando da faculdade destruída de linguística, onde estudava, ela comentou: "O reitor está morto. O vice-reitor, também. Não sei como a universidade vai poder continuar".


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