São Paulo, segunda-feira, 08 de junho de 2009

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No carteado, pistas sobre como envelhecer bem

Por que alguns poucos vivem além dos 90 anos sem perder a memória?

Por BENEDICT CAREY

LAGUNA WOODS, Califórnia — As senhoras na sala de jogo se dedicam ao bridge, e na sua idade o jogo não é um hobby. É um modo de vida, um conforto diário e um desafio.
“É o que nos faz seguir em frente”, disse Georgia Scott, 99. “É onde estão nossos melhores amigos.”
Nos últimos anos, os cientistas se interessaram pelo que poderia ser chamado de clube da supermemória —as menos de 1 em cada 200 pessoas, como Scott, que passaram dos 90 anos sem vestígio de demência. É um grupo que, pela primeira vez, é grande o suficiente para oferecer uma visão do cérebro lúcido na terceira idade e ajudar os pesquisadores a descobrir o que, exatamente, é essencial para preservar a acuidade mental até o fim da vida.
“São os idosos mais bem-sucedidos da Terra e estão apenas começando a nos ensinar o que é importante, em seus genes, em seus hábitos, em suas vidas”, disse Claudia Kawas, neurologista da Universidade da Califórnia em Irvine. “Por exemplo, pensamos que é muito importante usar o cérebro, continuar desafiando a mente, mas talvez nem todas as atividades mentais sejam iguais. Vemos evidências de que um componente social pode ser crucial.”
Laguna Woods, comunidade de aposentados de 20 mil pessoas ao sul de Los Angeles, EUA, está no centro do maior estudo sobre saúde e acuidade mental em idosos do mundo, realizado há décadas. Iniciado na Universidade do sul da Califórnia, em 1981, e chamado de Estudo 90+, ele incluiu mais de 14 mil pessoas com 65 anos ou mais e mais de mil com 90 ou mais.
Os resultados desse estudo estão começando a alterar a maneira como os cientistas entendem o envelhecimento do cérebro. Evidências sugerem que as pessoas que passam longos períodos do dia, três horas ou mais, envolvidas em atividades mentais como jogo de cartas podem reduzir o risco de desenvolver demência. Os pesquisadores estão tentando separar a causa do efeito: eles são ativos porque são espertos, ou são espertos porque são ativos?
Os pesquisadores também demonstraram que a porcentagem de pessoas de mais de 90 anos com demência não atinge um máximo ou diminui, como alguns especialistas suspeitavam. Ela continua aumentando, de modo que, de 1 em cada 600 pessoas que chega aos 95 anos, quase 40% dos homens e 60% das mulheres, se qualificam para um diagnóstico de demência.
Ao mesmo tempo, descobertas desse e de outros estudos em curso sobre muito idosos forneceram pistas de que alguns genes podem ajudar as pessoas a continuar lúcidas mesmo com cérebros que mostram todos os danos biológicos do mal de Alzheimer.
Para se mudar para a aldeia murada de Laguna Woods, as pessoas não podem precisar de cuidados em tempo integral. Suas mentes estão aguçadas quando elas chegam, seja com 65 ou 95 anos.
Os mais velhos que vivem ali diagnosticam uns aos outros, com base em observações cuidadosas. E eles aprenderam a distinguir entre diferentes tipos de perda de memória, quais são administráveis e quais são perigosas. E muitos moradores fazem esses cálculos delicados em um lugar: a mesa de bridge.
O bridge exige boa memória. Ele envolve quatro jogadores, em duplas, e cada um deve entender a estratégia do parceiro acompanhando atentamente o que é jogado. Os bons jogadores lembram de cada carta jogada e sua importância para a equipe. Esquecer uma carta pode custar caro à equipe.
“Quando uma parceira começa a escorregar, você não pode confiar nela”, disse Julie Davis, 89, jogadora habitual que vive em Laguna Woods. “Resumindo, é isso. É terrível dizer desse jeito, e pior ainda é ver isso acontecer.”
A maioria dos jogadores habituais em Laguna Woods conhece pelo menos um jogador que, envergonhado pelos lapsos, deixou de jogar. “Uma amiga minha, muito boa jogadora, abandonou automaticamente quando achou que não podia mais acompanhar”, disse Ruth Cummins, 92. “Geralmente é isso que acontece.”
Mas faz parte da tragédia da demência que, em muitos casos, a condição rapidamente roube a autoconsciência das pessoas. Elas não querem voluntariamente abandonar a única coisa que, talvez mais que qualquer outra, define sua existência diária. “Então é realmente duro”, disse Davis. “Quero dizer, o que você vai fazer? São suas amigas.”
Nesse mundo, como no colégio, é praticamente impossível recusar um convite para uma reunião. Alguns jogadores decidem interromper o jogo, pelo menos durante algum tempo, só para reformá-lo com outro jogador. Ou eles podem sugerir que um jogador baixe um nível, de um jogo sério para um mais casual. Nenhum jogador suporta ouvir isso. Mas todo dia em salas de jogo de todo o mundo alguns ouvem. “Você não joga com eles e ponto”, disse Cummins. “Você não é cruel. Apenas está ocupada.”
O ritmo de fazer lances e aceitá-los, a conversa fácil entre cada rodada —depois de quase um século, mesmo para os mais sortudos na loteria genética, finalmente acabam. “As pessoas param de jogar”, disse Norma Koskoff, jogadora habitual. “E geralmente quando param não vivem mais muito tempo.”


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