São Paulo, segunda-feira, 08 de agosto de 2011

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Itália sob risco de quebrar

Por LIZ ALDERMAN

PISA, Itália - Seis anos atrás, a empresa sueca Ikea, gigante do varejo, planejou construir uma megaloja de € 60 milhões a poucos quilômetros de onde a torre de Pisa se inclina em direção à terra. Os defensores do projeto disseram que a enorme obra, as novas estradas e uma onda de consumidores gerariam centenas de empregos necessários neste canto bucólico da Toscana.
Mas as coisas se complicaram -como acontece com frequência na Itália, onde a burocracia e a política podem facilmente passar por cima da economia.
Cada formulário de registro que a Ikea encaminhava às autoridades parecia gerar a exigência de mais um. Depois de cada estudo obrigatório de impacto, era preciso realizar mais um. Em maio, quando um prefeito local ainda não decidira se um alvará de construção seria ou não outorgado à empresa, a Ikea anunciou sua desistência do plano.
No momento em que a Itália se equilibra precariamente na beira da crise da dívida europeia, ela não pode se dar ao luxo de permitir outras debacles como essa. Se o fizer, apesar de possuir a sétima maior economia do mundo, a Itália talvez tenha poucas esperanças de crescer o suficiente para livrar-se da dívida estarrecedora que ameaça seu futuro financeiro -e o da união monetária do euro.
À medida que os juros cada vez mais altos fazem com que seja ainda mais difícil para a Itália reduzir a dívida, a solução parece ser acelerar seu crescimento.
"Essa é a única grande questão para a Itália neste momento: retomar o crescimento", disse Francesco Giavazzi, professor de economia na Universidade Bocconi e pesquisador do Centro de Pesquisas em Política Econômica, em Londres.
A Itália precisa não apenas incentivar investimentos como o da Ikea, disseram especialistas, mas também eliminar os empecilhos que sufocam o crescimento de milhares de pequenas e médias empresas em sua economia.
Um pequeno empresário, Mauro Pelatti, revela que desistiu de ampliar seu negócio em Florença, a uma hora ao leste de Pisa. "A burocracia é tão grande, e os impostos são tão altos, que é virtualmente impossível", disse Pelatti, cuja empresa de capital fechado, a Omap, produz componentes para máquinas de estampa em aço usadas em produtos como lambretas Vespa.
O crescimento da economia italiana começou a enfraquecer no final dos anos 1990, quando o setor manufatureiro do país foi superado por concorrentes asiáticos. Então, veio a crise financeira global de 2007, que levou a economia do país a encolher em mais de 6%. O crescimento foi retomado, mas o Fundo Monetário Internacional prevê "outra década de estagnação", com o PIB italiano subindo apenas cerca de 1,4% ao ano nos próximos anos.
Um fator que prejudica o crescimento é a grande dívida governamental, que representa hoje 119% do PIB, perdendo apenas para a da Grécia entre os membros da zona do euro. Embora, tirando os custos da dívida, o país venha apresentando superavit orçamentário há alguns anos e tenha aprovado um plano de redução do deficit de € 48 bilhões, o governo gasta 16% desse orçamento com o pagamento de juros.
A parcela da dívida italiana que pertence a estrangeiros -quase € 800 bilhões- é mais que as da Grécia, da Irlanda e de Portugal somadas. Se a Itália desabasse, os abalos posteriores teriam efeito mais dramático do que qualquer coisa que a zona do euro sentiu até agora na crise.
As barreiras ao crescimento dariam uma lista assustadora. Para começar, líderes nacionais, como o premiê Silvio Berlusconi e os prefeitos das cidades menores, tendem a passar o tempo envolvidos em política, fato que desvia sua atenção da situação da economia. Além disso, a produtividade se encontra estagnada há uma década. E os impostos corporativos chegam a cerca de 31%, sem contar as contribuições locais.
Outro problema é que a Itália sofre o efeito de um mercado negro que compõe 20% da economia. "Para criar um negócio, é preciso lidar com entre dez e 20 autoridades diferentes", disse Giampaolo Galli, diretor-geral da Confindustria, o principal lobby do empresariado italiano.
Mauro Pelatti se queixa de ter de pagar por trâmites burocráticos exigidos pelo governo, fiscalizações e médicos do Estado para examinar seus empregados.
Sobre um lucro de 200 mil euros, ele paga cerca de 100 mil em impostos. "Mesmo que eu consiga lucrar, nunca ganho o suficiente para crescer", ele explicou.
Em Pádua, um dos centros industriais da Itália, Mario Carraro é um dos poucos empresários da cidade que conseguiu escapar dessa situação. Anos atrás, ele enfocou o aprimoramento da tecnologia e da produtividade em sua fábrica, que produz transmissores de tratores para companhias como John Deere e Caterpillar. Hoje, sua empresa, a Carraro, tem suas ações negociadas na Bolsa e emprega 2.000 pessoas na Itália e o mesmo número na China e na Índia.
A Itália precisa que mais empresas se tornem como essa. Mas Carraro olha à sua volta e vê estagnação.
"Antigamente, chamávamos essas empresas de 'piccolo bello' -o pequeno é bom", disse ele. "Mas elas estão morrendo."

Com reportagem de Gaia Pianigiani em Roma



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