São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2008

Próximo Texto | Índice

Fique calmo

Aprender a conciliar calma e emoção é um trunfo decisivo para políticos e para o presidente eleito

KATE ZERNIKE
ENSAIO

A economia cambaleia, As guerras se arrastam no Afeganistão e no Iraque, e os horrores de um novo ataque terrorista dominam o noticiário e mais uma vez chamam a atenção para a precariedade das alianças no mundo. A palavra de ordem para este fim de ano é moderação. Certamente, não há muito a comemorar.
Talvez não seja coincidência, portanto, que os americanos tenham escolhido como líder na crise um homem reconhecido pela sua calma excepcional. Mais do que nunca, os eleitores parecem dizer -entre outras coisas- que anseiam por estabilidade, pulso firme e um rosto tranqüilizador na TV.
Tal equilíbrio pode parecer sobre-humano, mas não é inteiramente um dom para privilegiados. Ele pode ser cultivado.
Então como obter um temperamento calmo sem uma dieta regular de beta-bloqueadores e tranqüilizantes? A calma, por si só, não aparece no vocabulário de quem estuda a personalidade e o temperamento. Pessoas "calmas" são enquadradas no final da escala das neuroses. A genética determina em grande parte até que ponto alguém é neurótico. Mas também é algo possível de controlar.
Psiquiatras e psicólogos falam em regulagem emocional -a capacidade de administrar as neuroses de modo que até as pessoas mais nervosas passem a vida aparentando e se sentindo mais no controle do que aquelas geneticamente predispostas à calma.
"O que os estudos nos mostram é que há uma grande plasticidade, embora as pessoas sejam geneticamente construídas de modo a reagir ansiosamente ou não", disse James J. Gross, professor de psicologia e diretor do laboratório de psicofisiologia da Universidade Stanford. "Geneticamente, pessoas idênticas podem produzir reações exteriores muito diferentes, porque pensam diferente, regulam suas emoções de forma diferente."
É relativamente fácil saber se alguém é extrovertido ou falante. Quem estuda a personalidade alerta que é mais difícil saber se alguém está realmente calmo por trás da fachada -vários lembraram que o presidente eleito Barack Obama tem tido dificuldades em parar de fumar, talvez sugerindo alguma compulsão por trás da frieza.
E, com todos os seus benefícios, a frieza também pode ter seu lado ruim.
"A calma não funciona igual para duas pessoas", disse John Mayer, professor de psicologia da Universidade de Nova Hampshire e um dos teóricos criadores do conceito da inteligência emocional. "A calma de um piloto de um avião comercial é realmente funcional e útil. A calma de um professor pode ser equivocadamente interpretada como desinteresse. Vai depender de como eles integram esse atributo de personalidade com as suas metas, seus desejos, suas esperanças e seu funcionamento."
Com base em estudos comparando gêmeos adotados por famílias diferentes, os pesquisadores estimam que cerca de metade das variações de personalidade reflitam a composição genética. O resto está moldado pelo ambiente, embora seja difícil saber como. No caso de Obama, sua esposa diz que o Havaí explica seu jeito aparentemente tranqüilo.
Franklin Roosevelt, cuja calma é sempre lembrada ao se falar de Obama, pode ter herdado esse traço dos pais. Segundo Jonathan Alter em "The Defining Moment" (O Momento Decisivo), quando o transatlântico Germania foi tragado por uma onda gigante com a família a bordo, o pai de Roosevelt comentou friamente: "Parece que estamos submergindo". A mãe tirou seu casaco de pele e com ele embalou o pequeno Franklin, de 3 anos: "Pobre menininho, se tiver de afundar, que afunde aquecido".
Mas muitos pesquisadores argumentam que há duas formas de pensar na calma: a pessoa é calma ou aprende a ser.
Imagine duas pessoas com o mesmo grau elevado de neuroses, lidando com o mesmo chefe irascível. Uma ouve o grito e deixa o escritório do chefe perfeitamente composta; a outra foge às lágrimas para o banheiro ou sai chutando as paredes. A diferença é que a primeira pessoa aprendeu a regular a neurose.
George Washington, eternizado como um líder austero e frio, era extremamente emocional quando jovem, segundo Dean Keith Simonton, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, que estuda os traços de personalidade de líderes e presidentes. "Ele cultivou [a calma] por meio da pura força de vontade."
Mas embora haja provas de que a realização de tarefas complexas se beneficie da calma, ela não é tudo.
Quando o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh finalmente foi à TV, 18 horas depois dos ataques terroristas que abalaram Mumbai e toda a Índia, muitos o criticaram por ser comedido demais, emocional de menos.
David Winter, um psicólogo da Universidade de Michigan que tem analisado a personalidade de líderes mundiais, disse desconhecer "evidências de que maiores graus de estabilidade conduzam a uma melhor liderança". Winston Churchill, lembrou ele, era altamente emocional. Calvin Coolidge era fleumático de tão calmo. E Franklin Roosevelt, a exemplo de Obama, poderia chegar a parecer distante de tão frio.
É tudo uma questão de equilíbrio -liderar, mas também ser humano. "Se não houver uma lágrima depois que uma avó que o criou acaba de morrer, se não houver um lampejo de fúria contra autores de ataques ou contra a ansiedade que as pessoas sentem ao perder o emprego, não há uma sensação de conexão, de que essa é uma pessoa real", disse o professor Gross.
"O que queremos de um líder é uma mistura paradoxal: que ele tenha as emoções que sentimos, mas quase sendo uma versão melhorada de nós."


Próximo Texto: Análise: Como incluir a diplomacia no arsenal dos EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.