São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Novo enfoque ao déficit

TARA PARKER-POPE
ENSAIO

Quando os pediatras diagnosticam o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), eles freqüentemente perguntam aos pacientes se estes conhecem outra pessoa com o mesmo problema.
Hoje em dia as crianças americanas provavelmente responderão Michael Phelps, nadador recordista de medalhas olímpicas e exemplo para pais e crianças cujas vidas são afetadas por problemas de atenção. “Há um orgulho tremendo. Algumas dessas crianças sentem que Michael é ‘delas’”, comentou Harold S.
Koplewicz, diretor do Centro de Estudos da Criança da Universidade de Nova York. “É um sentimento especial quando alguém faz parte de seu clube e o mundo inteiro o adora.”
Mas o surgimento de uma celebridade que tem déficit de atenção também trouxe à tona um cisma na comunidade de pacientes, pais, médicos e educadores que lidam com o TDAH. Essas pessoas debatem há anos se o transtorno significa uma vida inteira de limitações ou se, em alguns casos, pode ser uma coisa positiva.
As crianças que apresentam o transtorno costumam ter dificuldade em ficar sentadas, paradas e prestar atenção. Mas elas podem também ter muito mais energia e foco sobre suas atividades favoritas.
Por essa razão, alguns médicos defendem uma postura nova, que destaque os potenciais das pessoas com déficit de atenção. O psiquiatra e autor Edward M. Hallowell diz que o atual “modelo médico baseado no déficit” do transtorno resulta em baixa auto-estima entre os portadores da condição.
“Não é uma benção, mas tampouco a maldição como costuma ser retratada”, disse Hallowell, ele próprio portador do TDAH. “Trato essa condição há 25 anos e sei que, se administrado corretamente, o aparente déficit pode virar uma vantagem. Vejo-o como uma característica, e não deficiência.”
A idéia de que uma deficiência pode ser usada de maneira positiva não é nova. No ano passado, um estudo constatou que 35% dos pequenos empreendedores pesquisados se identificaram como disléxicos. Os pesquisadores concluíram que a dislexia os levara a ser comunicadores melhores e a destacar-se na solução de problemas, além de serem pessoas com mais pendor por delegar autoridade.
Hallowell diz que a baixa auto-estima e as baixas expectativas são resultantes da maneira como o diagnóstico de TDAH é apresentado a crianças, pais e professores. Ele diz às crianças com déficit de atenção que elas têm o cérebro de um carro de corridas e que ele quer trabalhar com elas para construírem freios melhores para o carro.
Para outros especialistas, entretanto, embora histórias de sucesso sejam inspiradoras, os pais devem saber que seus filhos enfrentam riscos reais. Pesquisas mostram que crianças com déficit de atenção têm padrões cerebrais diferentes e tendência maior a abandonar a escola, envolver-se em acidentes de carro e usar drogas.
Natalie Knochenhauer, fundadora do grupo ADHD Aware (Consciência do TDAH), da Pensilvânia, comentou: “Acho que essa reformulação do TDAH, retratando-o como uma dádiva, não ajuda. Não é possível ter uma deficiência que requer ajustes na sala de aula e também ter um dom especial. Não apenas seus filhos não têm um dom, como enfrentam dificuldades reais”. Knochenhauer, que tem quatro filhos com o transtorno, disse que eles também se sentiram inspirados pela performance espantosa de Michael Phelps em Pequim. Mas acrescentou: “Eu diria que Phelps é um grande nadador que tem TDAH, e não que é um grande nadador porque tem TDAH”.


Texto Anterior: Ciência & Tecnologia: Uso de robôs em guerras levanta debate ético
Próximo Texto: Para teens, horas on-line podem ser tempo bem gasto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.