São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Eleições provocam onda nacionalista no Iraque


Um grande número de iraquianos decidiu votar em cidades como Basra e Mosul nas recentes eleições provinciais. Acima e ao lado, funcionários eleitorais abrem urnas no último dia 31, em Basra, onde eleitores querem conter a influência do Irã


Por SAM DAGHER e STEVEN LEE MYERS BASRA, Iraque - Em duas partes cruciais e muito distintas do Iraque -na estratégica Basra (sul), dona de grande produção petrolífera, e na violenta Mosul (norte)-, as pessoas votaram nas recentes eleições provinciais do dia 31 com metas semelhantes: segurança e um estado centralizado e suficientemente forte para conter aqueles que buscam dividir o país.
Em Basra, o eleitorado escolheu esmagadoramente a chapa apoiada pelo primeiro-ministro (e aliado dos EUA) Nuri al Maliki, amplamente apontado como responsável por devolver a segurança a uma cidade que, até abril passado, estava sob controle de milícias apoiadas pelo Irã. Os moradores também acreditam que só o premiê terá força suficiente para se contrapor à influência do país vizinho.
"Ele nos trouxe segurança", disse Dhia Abdul-Hassan, 35, que perdeu um olho num atentado em 2007. "Agora podemos nos aventurar livremente, até mesmo à noite."
Em Mosul, capital da Província de Nineveh, a provável vitória de nacionalistas árabes sunitas reflete a determinação da maioria árabe em afastar o que consideram ser uma invasão curda desde a queda do regime de Saddam Hussein, desencadeada pela invasão americana de 2003. Esses grupos árabes, alienados do poder, abraçaram os apelos de Maliki por um Estado central forte, o que o coloca em rota de colisão com os curdos.
Muitos acreditam que empoderar os árabes novamente em Mosul iria reduzir muito a violência restante, particularmente porque a coalizão árabe vencedora, a Al Hudba, estaria se comunicando com os insurgentes, em geral membros do antigo partido governista Baath.
"Estamos testemunhando a ressurreição do nacionalismo iraquiano", disse Mustafa Alani, analista do Centro de Pesquisas do Golfo, em Dubai (Emirados Árabes Unidos). "Isso unificou os iraquianos contra diversas ameaças."
Alani não achou surpreendente que, no pleito recente, tal tendência tenha sido mais clara em Basra e Mosul, que são "linhas de frente históricas". Ambas as cidades e seus arredores, junto com Bagdá no centro, foram unidas em 1926 a partir das ruínas do Império Otomano, dando origem ao Iraque. Na década de 1980, Basra foi a região que mais sofreu por causa da guerra Irã-Iraque. Na mesma época, Mosul, com sua tradicionalmente tensa relação com os curdos, foi a base de lançamento das atrocidades de Saddam contra os rebeldes do vizinho Curdistão.
O partido mais influente do sul, o Conselho Islâmico Supremo do Iraque, parece ter perdido para Maliki em Basra porque muitos eleitores sentem que esse grupo é próximo demais do Irã e estaria trabalhando por um Iraque descentralizado, com uma região majoritariamente xiita no sul, composta de nove Províncias, incluindo Basra.
Mensagens de texto qualificando o partido como "profundamente persa" circulavam pelos celulares de Basra no período pré-eleitoral. Mas Muhammad Rasan, candidato do Conselho Supremo em Basra, disse temer que a vitória de Maliki prejudique as chances de que um governo local tenha poder para melhor resolver os problemas das pessoas. "Ele está no caminho errado", afirmou Rasan.
Tensões semelhantes marcaram as eleições em Mosul.
"Uma das principais razões para as pessoas votarem em nós é que elas se opõem à dominação dos partidos curdos", disse Atheel al Nujaifi, líder do Al Hudba. "Essa é uma das ideias mais importantes em que acreditamos -a ideia de um Estado central iraquiano unificado."
A votação tranquila gerou esperanças de que as tensões políticas e a violência na região deem lugar à participação e à legitimidade eleitorais. Um funcionário do governo americano que acompanhou de perto o processo sugeriu que o resultado poderia esvaziar a insurgência em Mosul, por incluir politicamente árabes sunitas e até rebeldes que, na opinião dele, tenham tido "uma agenda política desde sempre".
Ao mesmo tempo, o sucesso dos sunitas pode reavivar as tensões com os curdos, que habitam a região há séculos e foram oprimidos pelo regime de Saddam Hussein.
Khodar Khudaida Rashu, administrador do bairro de Qahtaniya, na zona oeste de Mosul, disse que as eleições quase certamente irão alterar o equilíbrio político, mas sem necessariamente criar paz ou unidade nacional.
"Alguns partidos estão assustados", disse Rashu, do Partido Democrático do Curdistão, sem citar nomes. "Eles são anticoalizão e antidemocracia. E muitas das pessoas estão com medo. Alguns desses grupos fingem trabalhar com as forças da coalizão, mas na realidade são como morcegos, que saem à noite e atacam."


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