São Paulo, segunda-feira, 09 de março de 2009

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INTELIGÊNCIA

JOHN R. MACARTHUR

Sim, ele pode. Mas a maioria, não

Muitas pessoas fora dos EUA pensam que Barack Obama exemplifica o sonho americano de que qualquer pessoa dotada de talento pode se tornar presidente (ou rica, ou famosa), mas a realidade não corresponde a esse ideal. Sem pais motivados, acesso privilegiado a escolas de elite e patrocínio de um dos dois grandes partidos políticos do país (e o dinheiro de campanha que acompanha esse patrocínio), a meta está fora do alcance de quase todos os americanos.
Para crer no mito Obama/EUA das oportunidades iguais, é preciso primeiro aceitar a ideia de que Obama veio de lugar nenhum. Mas para quem conheça a política americana, especialmente a praticada em Chicago, essa ideia é absurda. Não obstante, a cor da pele de Obama e sua origem afro-muçulmana são largamente vistas como provas de que um plebeu tem tantas chances de fazer sucesso nos EUA quanto alguém, digamos, que pertença às dinastias Bush, Rockefeller ou Kennedy.
Ter o sobrenome Bush ajuda quando se quer lançar uma carreira na política americana. Em Chicago, porém, é mais importante ter vínculos com a máquina política fundada há quase seis décadas por Richard J. Daley e hoje comandada por seu filho, o prefeito Richard M. Daley, e uma Câmara Municipal na qual 49 das 50 vagas pertencem a democratas.
Chicago foi o campo de treinamento político de Obama, e é justo imaginar que ele se mudou para lá já tendo uma carreira política em vista. As opiniões divergem quanto a até que ponto a máquina de Chicago usou Obama e quanto Obama usou a máquina. Uma coisa é certa: dissidentes não são bem-vindos na prefeitura de Chicago, e Obama, que nunca foi de causar problemas, não teria chegado a onde está hoje sem submeter-se ao aparelho político que domina o Estado de Illinois e exerce poder imenso no Partido Democrata nacional.
Na terra de Lincoln, "quem o indicou?" ainda vale mais do que "quais são seus planos para enfrentar a recessão e o terrorismo?".
Basta perguntar ao chefe-de-gabinete de Obama, Rahm Emanuel, ou à assessora especial da Casa Branca, Valerie Jarrett, ambos democratas veteranos de Chicago. Eles não protestaram quando Roland Burris foi nomeado pelo corrupto ex-governador Rod Blagojevich (o primeiro a ser alvo de impeachment na história do Illinois) para o lugar de Obama no Senado, em grande medida porque Burris é respeitado no Partido Democrata local. Agora, Burris enfrenta acusações de corrupção.
Mesmo assim, você pode dizer, Obama chegou até a Casa Branca graças a sua inteligência e oratória notáveis.
Na realidade, as estatísticas mostram que a mobilidade social "partindo do zero" é bastante limitada nos EUA. E, cada vez mais, a divisão de classes no país vem sendo reforçada pela existência de uma aristocracia educacional da qual Obama é grande beneficiário.
A educação de alta qualidade e o dinheiro andam de mãos dadas nos EUA, e aqueles que têm as duas coisas tendem a viver em distritos com escolas públicas melhores ou a ter dinheiro para pagar os estudos de seus filhos em escolas particulares ou religiosas. A criação modesta de Obama esconde a riqueza educacional de seus pais.
O Ph.D. de sua mãe branca teve muito a ver com o fato de ele ter podido estudar na escola particular mais de elite do Havaí. Se Obama tivesse estudado na escola Harper High, no bairro South Side de Chicago, em lugar da escola Punahou em Honolulu -sem falar nas universidades Harvard e Columbia-, ele não teria chegado à Presidência. E o mesmo se aplica a você.


John R. MacArthur é presidente e publisher da "Harper's Magazine" e autor de " You Can't Be President: The Outrageous Barriers to Democracy in America" (Melville House, 2008)


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