São Paulo, segunda-feira, 09 de março de 2009

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Crise ameaça o conceito de solidariedade na Europa

Moeda comum e protecionismo desafiam a UE

Por STEVEN ERLANGER
e STEPHEN CASTLE


PARIS - Com liderança incerta e poucas instituições coletivas poderosas, a União Europeia está lutando contra as tensões que a crise econômica mundial inevitavelmente produziu entre seus 27 países com níveis desiguais de desenvolvimento.
O tradicional conceito de solidariedade está sendo minado pelas pressões protecionistas em alguns países-membros e pelos rigores de se manter uma moeda comum, o euro, em uma região com necessidades econômicas diferentes. Problemas econômicos especialmente agudos em alguns membros mais novos que fizeram parte do bloco soviético apenas pioram as coisas.
As dificuldades da Europa contrastam com a reação americana. O presidente Barack Obama acaba de anunciar um Orçamento que vai mergulhar os EUA mais profundamente na dívida, mas que também busca redistribuir a renda e reformar a saúde pública e a educação e combater problemas ambientais.
Se a Europa conseguirá criar um consenso, no entanto, é uma questão em aberto e subitamente imperiosa.
"A União Europeia terá de provar se é apenas uma união para os bons momentos ou tem um verdadeiro destino político comum", disse Stefan Kornelius, editor internacional do jornal alemão "Süddeutsche Zeitung". "Sempre dissemos que não se pode ter realmente uma união monetária sem uma união política, e não temos uma. Não existe uma política fiscal conjunta, nem uma política única sobre quais setores subsidiar ou não. E nenhum dos líderes é forte o suficiente para tirar os outros do atoleiro."
Thomas Klau, diretor do Conselho Europeu sobre Relações Internacionais, grupo independente de pesquisa, disse: "A crise afeta a união política que sustenta o euro e, é claro, a União Europeia como um todo, e a solidariedade está no centro do debate".
A crise também tem implicações para Washington, que quer uma UE capaz de promover interesses comuns em lugares como o Afeganistão e o Oriente Médio com ajuda militar e financeira.
"Tudo isso será posto em dúvida se a pedra angular da UE -seu mercado interno, a união econômica e a solidariedade- estiver em xeque", disse Ronald Asmus, ex-oficial do Departamento de Estado dos EUA.
O problema é basicamente duplo: um no núcleo interno de países que usam o euro como moeda comum, que juntos têm uma economia quase do tamanho da dos EUA; e um na União Europeia mais ampla.
Os 16 países que usam o euro devem se submeter à liderança monetária do Banco Central Europeu. Isso impede que alguns membros mais atingidos pela recessão econômica, como Irlanda, Espanha, Itália e Grécia, adotem unilateralmente medidas radicais para estimular suas economias.
Na União Europeia maior, crescem as fissuras entre antigos e novos membros, especialmente os que viveram sob o socialismo soviético. Países da Europa Central, como a República Checa e a Polônia, estão se saindo relativamente bem. Outros, incluindo Hungria, Romênia e países bálticos, estão em estado de ebulição.
Mas somente dois novos membros -as pequenas Eslovênia e Eslováquia- ficam protegidos por estar entre os países que usam o euro, e houve pequeno apoio na cúpula de emergência em Bruxelas, em 1? de março, para mudar as regras e permitir que outros se unam mais rapidamente.
Muitos novos membros viram suas moedas despencar em relação ao euro, o que aumentou o peso de seus repagamentos de dívidas aos bancos europeus, seus principais credores. Alguns estão pedindo ajuda aos parceiros europeus e ao Fundo Monetário Internacional.
Tendo observado o colapso da União Soviética, os países da Europa Central e Oriental adotaram o modelo liberal capitalista como preço para a integração com a Europa. Esse modelo está hoje muito desgastado, e os membros mais novos se sentem à deriva.
Klau vê uma preocupante perda de fé em certo tipo de capitalismo. "É politicamente perigoso, pois eles saíram de um sistema ultrarregulamentado e sufocante, tiveram de enfrentar a terapia de choque que criou grandes dificuldades e estão apenas começando a se estabilizar", ele disse. "Agora voltam ao caldeirão econômico e político."
Os membros mais novos estão descobrindo que seus parceiros europeus colocam os próprios interesses nacionais à frente da "solidariedade coletiva e necessária", disse Klau.
Mas Charles Grant, diretor do Centro para a Reforma Europeia, é mais otimista. "Minha expectativa é que os países da zona do euro, por puro interesse próprio, vão socorrer uns aos outros", disse. "É cedo demais para dizer que não haverá solidariedade. Mas os países do Leste não membros da UE -especialmente a Ucrânia- parecem ser a maior preocupação."


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