São Paulo, segunda-feira, 09 de março de 2009

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Americanos treinam pilotos afegãos

Por ELISABETH BUMILLER

CABUL, Afeganistão - O coronel James A. Brandon pilotava helicópteros americanos Black Hawk numa época em que Moscou era um inimigo mortal dos EUA. Ele passou anos no Exército estudando as aeronaves adversárias. Por essa razão, acha um pouco bizarro estar hoje na região do Hindu Kush, no Afeganistão, pilotando um velho helicóptero russo MI-17, legado da invasão soviética no Afeganistão.
"Se, nos anos 1980, alguém tivesse me dito que 20 anos mais tarde eu estaria pilotando um MI-17, eu teria dito que a pessoa estava louca", comentou Brandon.
Mas, dentro da proposta de ir à guerra não apenas com as forças militares que se tem, mas também com as forças que seu inimigo já teve no passado, o coronel lidera um esforço americano para construir uma Força Aérea afegã a partir do zero -esforço que esbarra em muitos obstáculos. Para fazê-lo no menor tempo possível e gastando (relativamente) pouco, os EUA estão treinando americanos a pilotar os helicópteros da ex-União Soviética -o coronel Brandon os chama de "caminhões voadores"-, para que os pilotos americanos, por sua vez, possam treinar ou retreinar pilotos afegãos que já trabalharam para os russos, o Taleban ou senhores de guerra poderosos.
Projetado para custar aos contribuintes americanos US$ 5 bilhões até 2016, o programa visa dotar o Afeganistão da capacidade de defender-se desde o céu e, um dia, permitir que as forças americanas deixem o país. Por enquanto, porém, ele reflete todos os problemas de conseguir que as forças afegãs se ergam sobre os próprios pés.
"Ainda temos uma longa distância a percorrer", disse o general Walter D. Givhan, da Força Aérea dos EUA. Ele é o comandante do programa, responsável pelos oito pilotos instrutores americanos e as 33 aeronaves, nem sempre operacionais, da Força Aérea afegã.
Um problema é que muitos dos cerca de 80 pilotos afegãos em treinamento não falam inglês. Na cabine apertada do MI-17 não há lugar para um intérprete, e, de qualquer maneira, as coisas geralmente acontecem rapidamente demais para que um intérprete possa ajudar.
"Não temos tempo de pedir ao tradutor que diga 'não bata contra a montanha'", disse o tenente-coronel Todd Lancaster, comandante do esquadrão de helicópteros da 438a Ala Expedicionária Aérea, unidade americana que está formando o que é oficialmente conhecido como o Corpo Aéreo do Exército Nacional do Afegão.
Um exemplo das dificuldades foi dado num voo recente feito no céu frio e claro nos arredores de Cabul, para treinar ataques-relâmpago com helicópteros. O tenente-coronel Joshua Jones, piloto de Fort Rucker, Alabama, estava instruindo Bakhtyar Baktullah, coronel do corpo aéreo afegão, em mergulhos capazes de virar o estômago, para que atiradores aéreos pudessem treinar disparos de metralhadora desde as portas do helicóptero. O alvo era um veículo blindado abandonado no vale abaixo deles.
Mas quando o coronel Bakhtullah, um dos melhores pilotos afegãos, inclinou a aeronave fortemente para a esquerda, a manobra foi brusca -outra maneira de descrevê-la seria dizer "ligeiramente apavorante"-, o que, disse o coronel Jones mais tarde, se deveu ao fato de ele usar demais o pedal rotor traseiro, operado por seus pés, e não fazer uso suficiente do manete de controle.
Na cabine, Jones usou gestos com as mãos para se comunicar com o coronel Bakhtullah. Mas decidiu que tentaria explicar a ele o procedimento correto mais tarde, em terra, com a ajuda de um intérprete. "Não foi possível consertar isso hoje", disse ele. "Era técnico demais."
Hoje em dia os pilotos americanos andam topando com algum ressentimento por parte dos afegãos que pilotam os helicópteros russos há décadas -o próprio coronel Bakhtullah é piloto desde 1981- e se perguntam por que precisam receber instrução de americanos que acabam de aprender a pilotar os aparelhos num curso de quatro semanas em Fort Bliss, Texas.
O coronel Jones disse entender o ponto de vista dos afegãos e que procura fazer sugestões, e não exigências. "Estamos nos esforçando para não fazer o papel de heróis conquistadores", explicou.
O general Givhan continua otimista em relação ao programa, que no final do ano passado treinou os afegãos a transportar seu presidente, Hamid Karzai, em aparelhos MI-17 especiais. Antes disso, eram os americanos que levavam Karzai para toda parte. Para o general Givhan, o programa "é nossa passagem de saída daqui".


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