São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2010

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NOSSA FORMA DE COMER

Chef da moda incorpora exotismo nórdico

Criações culinárias vêm de ingredientes regionais frescos

Por FRANK BRUNI
LAMMEFJORDEN, Dinamarca - Em uma tarde recente, em uma praia próxima a Copenhague, o chef dinamarquês René Redzepi estava no meio do mato, com capim até os joelhos, procurando como se fosse um coelho, mas um coelho que dá o que falar no mundo culinário.
"É assim que os vikings obtinham sua vitamina C", ele disse, arrancando uma folha fina. "Chama-se capim do escorbuto. Tem um toque de raiz-forte."
E tinha mesmo. "A maior parte do que você vê aqui é comestível", disse Redzepi, que costuma enviar seus funcionários para colher o capim do escorbuto e azedinha, assim como o que ele chama de coentro-do-mar, mostarda-da-praia e campânulas. Tudo isso vai parar em seus pratos, juntamente com ovos de aves marinhas da Islândia e carne de veado da Groenlândia.
Ele é onívoro em seu exotismo, mas restritivo na geografia. Se algo não é produzido na região nórdica, Redzepi não o serve, com raras exceções (por exemplo, café ou chocolate).
Essa abordagem poderia parecer uma receita para a obscuridade -o que os críticos previram para seu restaurante, o Noma, quando foi inaugurado em Copenhague em 2003.
Sete anos depois, o Noma é uma sensação internacional, assim como Redzepi, 32. Em viagem a Nova York em junho para promover seu livro de receitas, "Noma: Time and Place in Nordic Cuisine" (Tempo e lugar na cozinha nórdica), a ser publicado em breve, ele teve uma recepção de herói por parte de alguns dos chefs mais famosos da cidade.
Quando voltou para Copenhague, a enxurrada de visitantes ao Noma incluiu os chefs de dois restaurantes da Espanha com três estrelas cada um no guia Michelin (o Noma tem duas). Um assistente do chef Jean-Georges Vongerichten ligou para perguntar se ele e três colegas poderiam ir almoçar no dia seguinte. (Não podiam; o Noma está lotado, as resrvas são com três meses de antecedência e, com apenas 12 mesas, não há muita flexibilidade.)
Uma boa parcela das atenções vem da indicação do Noma em abril como melhor restaurante do mundo, pelo menos segundo uma pesquisa anual feita entre críticos gastronômicos e outros membros do setor. Na maioria dos anos essa pesquisa chama pouca atenção. Mas, quando ela eleva um estabelecimento na pequena e fria Dinamarca acima de lendas como o espanhol El Bulli e o britânico Fat Duck, causa consideravelmente mais comentários.
Afinal, a Dinamarca não é a Provença ou a Catalunha. Para um chef que só serve ingredientes locais, em particular, tem suas limitações. Mas as realizações de Redzepi atraem mais atenção ainda devido ao grau de dificuldade geográfica que elas incluem. No Noma, disse, "não pretendemos mudar o mundo".
Em vez disso, ele age com base na premissa de que a contribuição mais especial e inimitável que um restaurante pode fazer é servir os alimentos mais frescos e verdadeiros em sua área do planeta e renovar tradições esquecidas de ingredientes que os cozinheiros deixaram de usar.
Um visitante do Noma provavelmente será apresentado à frângula-do-mar, frutinha amarela de sabor ácido.
Redzepi combina uma massa de frângula seca ao ar com picles de botões de rosa para fazer um tira-gosto.
Os dinamarqueses há muito tempo usavam as cinzas do feno como tempero, e é o que Redzepi faz.
Tudo isso parece demasiado botânico e sem graça? Não é. O Noma não estaria recebendo todo esse amor internacional se Redzepi não fosse um cozinheiro tão inteligente e treinado e se ele não aproveitasse de modo tão refinado os incríveis frutos do mar que o rodeiam.
Como ele interpreta "local" de uma maneira étnica, mais que literal, a Islândia, outro país nórdico, é onde ele obtém gordas e deliciosas caudas de lagostas. O comensal não recebe talheres e é instruído a só usar os dedos.
Redzepi gosta que as pessoas comam com as mãos e cria uma espécie de teatro no Noma que salienta a ligação com a natureza -o que tem a vantagem adicional de ser muito divertido.
Ele apresenta raízes de legumes em um vaso cuja "terra" é uma camada de farinha de malte e avelã sobre uma emulsão de iogurte de leite de ovelha, estragão e outras ervas. Um prato de camarões com ouriço-do-mar em pó é arranjado como se fosse uma praia com pedras espalhadas e tufos de capim.
Redzepi nasceu em Copenhague, onde seu pai, um imigrante da Macedônia, era motorista de táxi e sua mãe, dinamarquesa, trabalhava como faxineira. Aos 15 anos ele decidiu ir para uma escola de culinária porque um amigo a frequentava. Passou da escola para um restaurante de classe internacional na França e dali para El Bulli.
"Não voltei para a Dinamarca pensando: 'Vou colocar um gel de um gel de um gel em meu fígado de peixe enquanto borrifo meus convivas com fumaça de alecrim'", disse. "Apenas voltei com uma sensação de liberdade."
Em uma casa-barco ancorada perto do restaurante, que Redzepi usa como laboratório, ele e sua equipe trabalham em um novo prato de carne de veado. "Nós imaginamos que somos o cervo", disse. "Em que ele pisa?"
Sua resposta: caramujos e samambaias. "Os sabores andam juntos. Caramujos e cervos vivem juntos. Eles têm simbiose."


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