São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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Dúvidas sobre Obama

Euforia inicial após o fim da era Bush dá lugar a uma "espiral de insatisfação" transatlântica

Todd Heisler/The New York Times
Barack Obama com líderes da Otan na fronteira franco-alemã em abril; ainda há tensões entre os Estados Unidos e a Europa em torno de questões como Afeganistão e Irã

Por STEVEN ERLANGER

MARRAKECH, Marrocos
A eleição de Barack Obama para presidente dos EUA foi recebida pela maioria dos europeus como notícia inequivocamente boa, marcando o fim do que era visto como o unilateralismo de George W. Bush e de sua indiferença às posturas de seus aliados.
Nove meses após o início do mandato de Obama, porém, dúvidas voltam a lançar sombra sobre as relações transatlânticas. A Europa e os EUA continuam, pelo menos parcialmente, fora de sintonia em relação ao Afeganistão, Oriente Médio, Irã e às mudanças climáticas.
Muitos europeus argumentam que Obama não rompeu com clareza suficiente com as rejeitadas políticas de Bush, e alguns americanos dizem que os europeus são demasiado passivos, observando Obama enfrentar problemas difíceis, como o Afeganistão e o fechamento da prisão de Guantánamo, sem oferecer muita ajuda substancial.
Obama conserva sua popularidade junto ao público europeu, mas um alto funcionário europeu disse estar preocupado com um sentimento subjacente de decepção. "Isso é perigoso. Não devemos entrar em uma espiral de insatisfação de ambas as partes", disse. Para ele, essas generalizações não têm fundamentos reais, mas as críticas formuladas são de que "os EUA pensam que os europeus não querem fazer nada para ajudar, e os europeus acham que os EUA são ingênuos e não estão fazendo o suficiente em termos concretos".
Outro funcionário sênior europeu disse que, "apesar de toda a conversa sobre multilateralismo" e da contribuição europeia de ajuda financeira e tropas da Otan para a luta contra o Taleban, que já deixou mais de 500 mortos europeus, o Afeganistão continua a ser um projeto americano. "Os europeus estão sentados, esperando Washington decidir qual será a política para o Afeganistão", disse ele.
Com relação ao Irã, os europeus (especialmente os franceses) receiam que Obama possa sacrificar o princípio de impedir Teerã de enriquecer urânio -conforme o exigido pelo Conselho de Segurança da ONU- para conseguir o que aparentemente seria um acordo para a realização de conversações amplas com o Irã sobre questões regionais e bilaterais.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, chegou a repreender Obama em público na Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro, dizendo: "Apoio a mão estendida dos EUA. Mas o que a comunidade internacional ganhou com essas ofertas de diálogo? Nada a não ser mais urânio enriquecido e centrífugas".
Para o ex-ministro francês das Relações Exteriores Hubert Védrine, boa parte do problema é culpa dos próprios europeus. "A Europa para Obama não é uma prioridade, não é um problema e não é uma solução para seus problemas", disse o ex-chanceler em entrevista dada em Marrakech. "Obama mantém distância e trata os líderes europeus com certa atitude de superioridade. Mas isso não é razão suficiente para os europeus se portarem como espectadores" enquanto Obama tenta resolver seus desafios. "Acho que é preciso ajudá-lo", disse Védrine.
Os países europeus têm hesitado em ajudar Obama com os pontos principais da agenda do presidente americano. Até agora, concordaram em aceitar apenas um punhado dos detentos de Guantánamo, que Obama prometeu fechar no prazo de um ano. E os países europeus que integram a Otan (aliança militar ocidental) também vêm demorando a dar a Obama muita ajuda adicional no Afeganistão, em parte porque muitos europeus são contrários à guerra e em parte porque Washington ainda não acordou uma estratégia convincente para vencer nesse país.
Jean-David Levitte, assessor diplomático de Sarkozy e ex-embaixador francês nos EUA, disse que, mesmo assim, a Europa ainda é o melhor aliado de Washington. A eleição de Obama foi fascinante para os europeus, disse ele, "transformando a imagem dos EUA em poucos meses".
Estará a Europa preparada para responder? "É claro que sim", disse Levitte, citando o fato de mais de 35 mil soldados europeus estarem no Afeganistão. "Se não fossem os europeus, quem haveria? Ninguém."
O Conselho Europeu de Relações Exteriores, grupo independente de pesquisas, exortou os governos da União Europeia, em relatório recente, a abrir mão de suas ilusões sobre o relacionamento transatlântico se quiserem evitar a irrelevância global.
O relatório argumenta que os europeus conservam "ilusões" cruciais e prejudiciais que acumularam ao longo de "décadas de hegemonia americana" e que geram "um misto pouco saudável de complacência e deferência excessivas" em relação aos EUA, que teriam "interesse rapidamente decrescente" em uma Europa incapaz de agir de maneira suficientemente decisiva.
Os EUA "precisam de parceiros fortes em um mundo que não mais domina", dizem os autores do relatório, e, embora preferisse uma União Europeia mais unida, capaz de articular seus interesses estratégicos próprios e colocá-los em prática, Washington está atento, diz o documento. Quando a Europa se divide, como faz em relação à Rússia e a muitas questões de política externa e defesa, em que os governos nacionais atuam individualmente, "os europeus estão pedindo para serem divididos e governados".
Embora Obama seja pessoalmente cordial e até mesmo "europeu" em suas opções políticas, argumenta o relatório, "os europeus não tomaram nota do pragmatismo autodeclarado" de seu governo, que quer "trabalhar com quem ajudá-lo mais efetivamente a alcançar os resultados que ele procura".


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