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ENSAIO
RICHARD A. FRIEDMAN,
MÉDICO
Diante de pais intoleráveis, o melhor é abandoná-los
Deixar de lado um vínculo daninho pode ajudar a preservar a saúde mental
Uma pessoa pode se divorciar de um cônjuge abusivo. Mas o que fazer se a fonte
do sofrimento são os seus pais?
É claro que os pais não são perfeitos. Mas, da mesma maneira que existem pais
comuns e bons em suas funções que misteriosamente geram filhos difíceis, há
algumas pessoas boas que sofrem o azar de terem pais intoleráveis.
O assunto recebe pouca, se alguma, atenção nos manuais da disciplina ou na
literatura psiquiátrica, talvez como reflexo da concepção comum, e errônea, de
que os adultos, diferentemente das crianças e dos idosos, não estão vulneráveis
a esses abusos emocionais.
Acredito que os terapeutas sintam inclinação demasiada a tentar salvar
relacionamentos, mesmo aqueles que podem ser prejudiciais a um paciente. Em
lugar disso, é crucial que tenham a mente aberta e considerem se manter aquele
relacionamento é realmente saudável e desejável.
Da mesma forma, a suposição de que os pais estão predispostos a amar os filhos
incondicionalmente não é universalmente verdadeira. Lembro-me de um paciente, um
homem de 20 e poucos anos, que me procurou por sofrer de depressão e graves
problemas de autoestima.
Não demorei a descobrir o motivo. Ele havia recentemente assumido sua
homossexualidade diante dos pais, profundamente religiosos, cuja reação foi
repudiá-lo. Posteriormente, em um jantar de família, seu pai o chamou para uma
conversa reservada e disse que teria sido melhor que ele, e não seu irmão mais
novo, tivesse morrido em um acidente de carro anos antes.
Apesar de terrivelmente magoado e zangado, o jovem ainda tinha a esperança de
que seus pais aceitassem sua opção sexual e me pediu para organizar uma sessão
com a família.
A conversa não foi bem. Os pais insistiam em que o "estilo de vida" do filho era
um grave pecado, incompatível com suas crenças. Quando tentei lhes explicar de
que o consenso científico era o de que os seres humanos têm tanto poder de
escolha sobre sua orientação sexual quanto sobre a cor de seus olhos, os dois
não se deixaram convencer. Pareciam simplesmente incapazes de aceitar o filho
como ele é.
Fiquei atônito diante de sua hostilidade e convicto de que representavam uma
ameaça psicológica ao meu paciente. E, em função disso, era preciso que eu
fizesse algo que jamais havia contemplado como parte de um tratamento. Na sessão
seguinte, sugeri que, para preservar seu bem-estar psicológico, ele poderia
considerar, ao menos por algum tempo, abrir mão de seu relacionamento com os
pais.
A esperança é a de que os pacientes venham a compreender os custos psicológicos
de uma relação daninha e ajam para mudá-la.
Por fim, meu paciente se recuperou completamente da depressão e começou a
namorar, ainda que a ausência dos pais em sua vida sempre ocupasse seus
pensamentos.
Não é de se admirar. Pesquisas sobre vínculos primários, conduzidas tanto com
seres humanos quanto com primatas não humanos, demonstram que estamos
predispostos a estabelecer essas conexões, mesmo para com aqueles que não nos
tratam assim tão bem.
Também sabemos que, embora traumas de infância prolongados possam ser tóxicos ao
cérebro, os adultos mantêm a capacidade de reordenar o cérebro, posteriormente,
por meio de novas experiências, entre as quais terapia e medicação com
psicotrópicos.
É claro que a terapia não permite reverter a História. Mas é possível curar
mentes e cérebros por meio de remoção ou redução do estresse. Às vezes, por mais
que isso pareça drástico, o processo pode requerer o abandono de contato com um
pai intolerável.
Richard A. Friedman é professor de psiquiatria no Richard A. Weill Cornell Medical College, em Nova York
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