São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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Molécula da motivação dá garra ao cérebro

Visão atual sobre dopamina pode estar equivocada

NATALIE ANGIER
ENSAIO

Se você alguma vez já encontrou roedores devorando alimentos em sua cozinha, vai gostar de conhecer uma variedade de camundongo de laboratório à qual falta a motivação para comer.
O camundongo é fisicamente capaz de comer. Ele gosta do sabor da comida. Ele é capaz de mastigar e engolir, ao mesmo tempo em que mexe o focinho em aparente satisfação.
No entanto, se ficar por conta própria, ele não se animará a procurar seu jantar. A simples ideia de ter que atravessar sua gaiola e tirar a ração da tigela o enche de apatia avassaladora. Em poucas semanas, o bichinho morre de inanição.
Por trás do tédio do roedor está um deficit grave de dopamina, uma das moléculas de sinalização essenciais do cérebro. Ultimamente a dopamina tem estado na moda, assim como esteve a serotonina nos anos 1990, com o Prozac.
As pessoas falam em receber sua "injeção de dopamina" com chocolate, música, a Bolsa de Valores, a vibração do BlackBerry contra sua coxa -qualquer coisa que lhes dê uma pequena sensação prazerosa. Sabe-se que agentes de dependência já conhecidos, como cocaína, metanfetamina, álcool e nicotina, estimulam os circuitos de dopamina do cérebro.
Na imaginação popular, a dopamina nos faz sentir bem e querer sentir bem outra vez. Se você não se cuidar, ficará viciado, escravo das linhas de prazer que percorrem seu cérebro.
Entretanto, como revelam novas pesquisas sobre camundongos deficientes em dopamina e outros estudos, a imagem da dopamina como nosso pequeno Baco cerebral é enganosa, assim como era enganosa a caricatura anterior da serotonina como um "rostinho feliz" neural.
Segundo a visão emergente, discutida recentemente em Chicago em reunião da Sociedade de Neurociência dos EUA, a dopamina diz respeito não tanto ao prazer e à recompensa quanto à motivação e à garra, a enxergar o que é preciso fazer para sobreviver e então fazê-lo. "Quando você não consegue respirar e está ofegante, você diria que isso é prazeroso?", disse Nora D. Volkow, pesquisadora dos efeitos da dopamina e diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas. "Ou, quando você está com tanta fome que se dispõe a comer algo asqueroso, isso é prazeroso?"
Nessas duas reações, disse Volkow -quando você se esforça desesperadamente para inspirar e quando come algo que normalmente rejeitaria-, os caminhos da dopamina no cérebro estão funcionando a todo vapor. "O cérebro inteiro fica voltado a uma só coisa", disse ela. "Esse ímpeto intenso é para tirar você de um estado de privação e mantê-lo vivo."
A dopamina também faz parte do filtro de saliência do cérebro. "Não é possível prestar atenção a tudo, mas você, como organismo, quer ser hábil em reconhecer coisas novas", disse Volkow. "Você pode não notar uma mosca na sala, mas, se essa mosca fosse fluorescente, suas células de dopamina entrariam em plena ação."
Além disso, nosso detector de saliência movido a dopamina foca objetos familiares que imbuímos de grande valor, tanto positivo quanto negativo: objetos que desejamos e objetos que tememos. Se adoramos chocolate, nossos neurônios de dopamina provavelmente começarão a disparar ao ver um bombonzinho sobre um balcão. Mas, se temos medo de barata, os mesmos neurônios podem disparar ainda mais quando percebemos que o suposto bombom na realidade tem seis patinhas.
Contudo, o próprio sabor prazeroso do chocolate ou a ansiedade provocada pela fobia de baratas podem muito bem ser obra de outras moléculas de sinalização, como opiáceos ou hormônios do estresse. A dopamina simplesmente faz com que seja quase impossível ignorar um objeto relevante.


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