São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

ANÁLISE

Vazamento põe em xeque prospecção

Por JAD MOUAWAD
Mais de 40 anos atrás, uma espessa e fétida camada de petróleo se espalhou pelas praias brancas de Santa Barbara e continuou manchando 65 km do maravilhoso litoral do sul da Califórnia.
O desastre de Santa Barbara, em 1969, foi resultado de uma explosão em uma plataforma em alto-mar que derramou 100 mil barris de petróleo cru -quase 16 milhões de litros ao todo. Ele marcou um ponto de virada na expansão da indústria petrolífera, afastando qualquer possibilidade de prospecção de novos poços ao longo das costas americanas e levando à criação de dezenas de leis ambientais, estaduais e federais.
A história vai se repetir no golfo do México?
Parece que sim. As emoções estão acirradas enquanto uma camada de petróleo reveste o frágil ecossistema da costa do Golfo, ameaçando pesqueiros, criadouros de camarão e talvez até a indústria de turismo da Flórida. Milhares de pessoas poderão ter sua sobrevivência ameaçada. Uma limpeza poderá demorar anos.
Além de criticar a BP, empresa dona do poço que vazou, grupos ambientalistas exigiram o fim da exploração em alto-mar e pediram que o presidente dos EUA, Barack Obama, restabeleça a moratória à prospecção. A Casa Branca disse que nenhuma nova autorização de prospecção será aprovada até que as causas do acidente sejam conhecidas. Uma maior supervisão do governo parece inevitável.
Mas, seja qual for a magnitude do derramamento na plataforma Deepwater Horizon, a 80 km da costa da Louisiana, é improvável que impeça seriamente a perfuração oceânica no golfo. Os Estados Unidos precisam de petróleo -e de empregos.
Muita coisa mudou desde 1969. A demanda americana de petróleo aumentou mais de 35% nas últimas quatro décadas, enquanto a produção doméstica caiu um terço. As importações de petróleo duplicaram, e hoje os EUA compram mais de 12 milhões de barris por dia de outros países, cerca de dois terços de suas necessidades.
A política também mudou. Os republicanos querem aumentar a produção interna de petróleo para reduzir a dependência do produto estrangeiro. No alto da agenda democrata está a redução das emissões de carbono que causam o aquecimento global. Para superar essa lacuna, a Casa Branca apoiou um compromisso que expandiria a exploração doméstica em alto-mar em troca de apoio republicano para sua política climática.
Há outro motivo pelo qual a perfuração em alto-mar provavelmente continuará. A maior parte das grandes novas descobertas está no fundo dos oceanos do mundo, incluindo os do México. Para as companhias de petróleo, essas reservas valem centenas de bilhões de dólares e representam o futuro da indústria.
O golfo do México é a fonte de petróleo de mais rápido crescimento nos EUA. Ele representa um terço do suprimento doméstico do país, ou 1,7 milhão de barris por dia, a maior parte na região de águas profundas.
Uma expansão semelhante está ocorrendo em todo o mundo, notadamente no litoral do Brasil. Grandes descobertas também foram feitas nos litorais de Gana e Serra Leoa pela Anadarko Petroleum, usando tecnologia desenvolvida no golfo do México, onde é uma das principais exploradoras.
O último vazamento poderá ter o mesmo impacto acentuado sobre as políticas públicas quanto o acidente do navio Exxon Valdez em 1989, que despejou 257 mil barris de petróleo nas sensíveis águas do estreito Príncipe William, no Alasca. Depois daquele vazamento, os navios-tanques foram obrigados a adotar medidas de segurança mais rígidas, e o proprietário de uma plataforma ou de um navio tornou-se legalmente responsável pela limpeza de um vazamento. Mas os navios-tanques continuam singrando os oceanos.
Alguns membros do movimento ambientalista acreditam que a revolta pública também forçará o governo a desenvolver de maneira mais agressiva alternativas ao petróleo. Eles afirmam que os riscos da produção de petróleo superam em muito os benefícios.
"Este é potencialmente um desastre ambiental divisor de águas", disse Wesley P. Warren, diretor de programas do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. "É um chamado gigantesco sobre a necessidade de superar o petróleo como fonte energética."
Mas desenvolver alternativas verossímeis, baratas e abundantes ao petróleo levará muitas décadas, e, enquanto isso, os carros precisam de gasolina e os aviões precisam de querosene. Os Estados Unidos ainda são de longe o maior consumidor de petróleo do mundo. Enquanto a China cresce, os EUA consomem duas vezes mais petróleo.
No rastro desse vazamento, o governo quase certamente vai endurecer a supervisão e obrigar a indústria a repensar sua abordagem de segurança em uma iniciativa para reconciliar a produção em alto-mar com as práticas ambientais seguras.
"Ainda não aprendemos a administrar os desafios associados ao desenvolvimento energético", disse Steve Cochran, do Fundo de Defesa Ambiental. "Supomos que nossas práticas são seguras, até que ocorre um desastre. É a arrogância da humanidade."
Mas existem alternativas aceitáveis? "Um futuro livre de combustíveis fósseis não é inconcebível, mas está a décadas de distância", escreveu Samuel Thernstrom, bolsista no Instituto de Empresas Americanas, no blog Room for Debate, do "New York Times". "Até lá, a prospecção terá um papel importante."


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