São Paulo, segunda-feira, 10 de agosto de 2009

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Em uma era de extinção, novas criaturas aparecem

Espécies surgem conforme nos embrenhamos no desconhecido

Por NATALIE ANGIER

Nos recintos internos do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, nos EUA, Kristofer Helgen, curador de mamíferos, abriu um entre milhares de gabinetes de metal e fez um gesto largo diante do seu conteúdo. Ali dentro havia uma bandeja com uma dúzia de roedores secos.
Ele abriu outras gavetas, revelando pequenos morcegos com cara de raposa, uma dupla de morcegos gigantes, com ferozes caninos bicúspides, um mamífero do tamanho de uma doninha com um focinho pendente, e um morcego com asas em diferentes tons transparentes.
Os animais vieram da Nova Guiné, do Quênia, das ilhas Salomão e Sulawesi (Indonésia), mas têm em comum uma característica: são novos para a ciência, e alguns são tão novos que ainda nem têm nome. E os espécimes do Smithsonian são parte de uma tendência muito mais ampla.
Fabio Röhe, da entidade Wildlife Conservation Society (WCS), e seus colegas acabam de anunciar a descoberta de um novo macaco na Amazônia brasileira, um pequeno sagui com uma cauda de 30 centímetros e pelagem em tons de ferrugem, cinza e dourado, enquanto outros cientistas do grupo conservacionista ultimamente detectaram novas espécies de primatas na Bolívia, na Índia e na Tanzânia.
Helgen disse que desde 2005, quando foi publicado o último sumário de mamíferos do mundo, com aproximadamente 5.400 espécies, cerca de outras 400 espécies de mamíferos já foram acrescentadas à lista. "A maioria das pessoas não sabe, mas estamos exatamente no meio da era da descoberta dos mamíferos", disse ele.
Mas, como ele e outros biólogos estão bastante cientes, estamos também numa era de extinções em massa, pelas quais os humanos têm grande parcela de culpa. A maioria dos pesquisadores concorda que, como resultado da destruição de habitats, da volatilidade climática, da contaminação por pesticidas, da poluição dos mares, da implantação de espécies invasivas e de outros efeitos "antropogênicos" sobre o meio ambiente, o ritmo de extinção está muitas vezes acima do que seria o crônico peneirar da natureza.
"O problema é que só descrevemos estimados 15% de todas as espécies da Terra, então a maioria do que está se extinguindo são coisas que nem soubemos que existiram", disse John Robinson, vice-presidente-executivo da WCS.
Por mais contraditório que pareça, os dois conjuntos de dados estão sob muitos aspectos interligados. Uma razão para que os cientistas descubram mais espécies hoje do que há duas décadas é que lugares antes impenetráveis foram abertos a vários graus de desenvolvimento.
O consumismo do mercado global também pode entregar a novidade taxonômica bem na porta dos cientistas. Scott Miller, subsecretário-adjunto para ciências no Smithsonian, notou que flores cultivadas hoje no Quênia podem muito bem chegar amanhã à sua floricultura local, trazendo incidentalmente larvas de uma espécie não descrita de mariposa.
Mesmo que seja preciso perturbar o habitat para trazer novas espécies à luz, os cientistas argumentam que o reconhecimento formal pode vir a ser a salvação de uma espécie. Jean Boubli, que dirige os programas da WCS no Brasil, disse que planeja usar o recém-descoberto sagui em seus esforços para impedir a construção de estradas asfaltadas no trecho ainda intacto da Amazônia onde o primata vive, a cerca de 100 km de Manaus.
"É uma dádiva divina ter encontrado esse macaco neste momento", disse ele, "para argumentar junto às autoridades que abrir o acesso à floresta seria um desastre". Conservacionistas agora discutem onde e sob que condições a preciosa fauna sobrevivente estará dentro de 5, 10 ou 50 anos. Em parques e refúgios restritos? Em zoológicos? Ou em meio a algo que lembre o ecossistema inclemente e esplêndido no qual seus ancestrais, e os nossos, viveram, morreram e evoluíram?
O que nos devolve à necessidade de saber o que há por aí. "Se você não sabe que grau de biodiversidade existe", disse Vicki Funk, curadora do Herbário Nacional dos Estados Unidos, "como irá conservá-la?".


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