São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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ENSAIO

Agora vem a parte difícil

Desafios são parecidos aos de Lincoln e Roosevelt

Damon Winter/"The New York Times"
O presidente eleito Barack Obama está agindo rapidamente para demonstrar liderança a um país exaurido por duas guerras, uma economia cambaleante e uma imagem global maculada


PETER BAKER

O presidente eleito Barack Obama está agindo rapidamente para demonstrar liderança a um país exaurido por duas guerras, uma economia cambaleante e uma imagem global maculada washington Nenhum presidente dos Estados Unidos desde o nascimento de Barack Obama chegou ao Salão Oval enfrentando o acúmulo de desafios sísmicos que aguardam Obama. Historiadores em busca de paralelos são obrigados a voltar até Abraham Lincoln, que assumiu quando os EUA estavam desabando na Guerra Civil, ou Franklin D. Roosevelt, que chegou a Washington na fase mais difícil da Grande Depressão.
A tarefa com que Obama se confronta não está nesses níveis, mas o fato de serem essas as comparações citadas com mais frequência impõe seriedade até mesmo aos democratas, enquanto festejam sua volta ao poder.
Sobre os ombros de um senador de 47 anos que cumpre seu primeiro mandato, dotado do poder de inspirar mas sem experiência executiva real, recai a responsabilidade de tratar de duas guerras, proteger os EUA do terrorismo e recosturar uma economia retalhada.
Obama tem pouca escolha senão “abraçar o caos”, nas palavras de Leon E. Panetta, ex-chefe-de-gabinete da Casa Branca que assessora a equipe de transição do presidente eleito. “É melhor fazer as coisas difíceis logo no começo porque, se tentar adiá-las, vai enfrentar muitos problemas”, disse Panetta. “Tome as decisões que envolvem dor e sacrifício logo no primeiro momento.”
Ainda não está claro, nem mesmo para muitos de seus partidários, que tipo de líder e tomador de decisões Obama será. Ele vai se dispor a usar seu capital político e ser ousado ou vai agir com cautela e correr o risco de ver-se paralisado pelas exigências conflitantes do interior de seu próprio partido? Sua performance sob os holofotes da campanha sugere uma figura dotada de calma e autoconfiança notáveis quando submetida a pressões, mas também alguém que raramente se desvia do caminho metódico que traça para si.
“Isso leva a gente a se indagar se ele aborda a maioria das coisas com passividade”, disse John R. Bolton, ex-embaixador do presidente Bush nas Nações Unidas. “Aponta para um estilo muito contido de governar. Apesar de todos os comentários sobre Bush e a diplomacia caubói, os EUA passivos também não são o que as pessoas querem.”
Os assessores de Obama disseram que o presidente eleito agirá rápido para demonstrar liderança, sem aguardar a transferência da autoridade, em 20 de janeiro, ao contrário de Roosevelt, em 1932, que se negou a envolver-se na prescrição de remédios econômicos até a sua posse. Ao mesmo tempo, Obama entende que não deve transgredir seus limites e quer que sua posse marque uma ruptura clara com o passado.
“Estamos vivendo uma turbulência tão grande que é fundamental que Obama segure o leme com firmeza e clareza. Ele precisa estar no meio disso”, opinou Jack Quinn, que foi alto funcionário da administração Clinton.
Obama vem discutindo com líderes do Congresso um possível pacote de US$100 bilhões para obras públicas, benefícios para desempregados, assistência para aquecimento no inverno, selos-alimentação e ajuda a cidades e Estados, pacote que poderia ser aprovado numa sessão na semana de 17 de novembro, durante a fase de final de mandato dos parlamentares. Ele vem conversando regularmente com o secretário do Tesouro, Henry Paulson, sobre o ambiente econômico e espera cooperar estreitamente com ele durante o período interino, enquanto Paulson decide como investir os US$700 bilhões aprovados pelo Congresso para escorar o sistema financeiro.
Mas há limites à capacidade de Obama de agir no curto prazo. A política envolvida na montagem de um pacote de estímulo neste limbo entre administrações pode ser difícil de superar, enquanto ele procura equilibrar a demanda represada dos democratas agora vitoriosos, ansiosos por exercitar seu poder de fazer uso do erário, com a realidade de que Bush ainda detém o poder de veto por mais de 70 dias.
“Se Obama envolver-se excessivamente em disputas políticas antes da posse, quando não tem controle da burocracia federal, isso pode acabar tendo efeitos negativos”, disse Elaine C. Kamarck, que foi assessora de política doméstica do vice-presidente Al Gore. “Ele precisa encontrar um delicado ponto de equilíbrio.”
Obama representa o fim da era Bush. Mas ele terá que lidar com o legado de seu antecessor por anos. Durante a campanha, o democrata prometeu fechar a prisão de Guantánamo, em Cuba, mas analistas de ambos os partidos prevêem que isso será mais difícil do que o imaginado. Ele herdará um déficit que talvez se aproxime de US$1 trilhão no próximo ano e que poderá limitar suas ambições.
Por todas essas razões, a mudança do discurso de campanha para a realidade do governo pode mostrar-se turbulenta. E os discursos inspiradores de Obama criaram uma expectativa tão grande que há um risco profundo de decepção. Durante a campanha, ele falou de uma “nova política” conciliando republicanos e democratas. Mas, se ele realmente trabalhar com republicanos para encontrar terreno comum em questões como o Iraque, o terrorismo e as mudanças climáticas, correrá o risco de desagradar a sua base progressista.
“As campanhas tendem a ser feitas em preto-e-branco. Mas geralmente se governa em cinza”, disse Richard N. Haass, presidente do Council on Foreign Relations, que já trabalhou para quatro presidentes, mais recentemente Bush.
Ao mesmo tempo em que Obama, inicialmente, pretende focar a economia, ele enfrenta um momento perigoso fora do país. Terroristas já aproveitaram momentos de transição no Ocidente para lançar ataques no Reino Unido, na Espanha e até nos EUA, onde a Al Qaeda tentou explodir o World Trade Center pela primeira vez apenas semanas depois de Bill Clinton assumir o poder, em 1993. “A gama de problemas e a intensidade dos riscos vêm crescendo muito nos últimos anos”, ponderou James B. Steinberg, que foi assessor de segurança nacional de Clinton.
E o início de uma nova administração é o momento em que as fileiras do governo estão mais despreparadas.
A preocupação com a vulnerabilidade potencial vem se aguçando diante desta primeira troca de presidentes desde os ataques do 11 de Setembro. No entanto, “sempre há alguma surpresa para a qual é impossível estar preparado”, disse Nancy E. Soderberg, assessora sênior de segurança nacional no governo Clinton.
Ela recordou a decisão do primeiro presidente George Bush de enviar tropas à Somália pouco antes de entregar o Salão Oval a Clinton. Desta vez, disse ela, “meu palpite é que será algo no Paquistão.”
Obama vai iniciar a Presidência com vantagens poderosas dentro e fora dos EUA. Sua eleição será bem-vinda por muitos em todo o mundo que estão descontentes com o governo Bush. E Obama terá um Congresso decisivamente controlado pelos democratas. “Ele não enfrentará o obstáculo de lutas difíceis pela confirmação de suas decisões”, disse Craig Fuller, assessor sênior dos presidentes Ronald Reagan e George Bush.
Pode-se dizer, porém, que a tarefa que aguarda Obama transcende este programa econômico ou aquela crise externa. Ele vai assumir um país esgotado com o passado e temeroso em relação ao futuro, pessimista com o lugar que ocupa no mundo, cínico em relação ao governo e desesperadamente necessitado de algum sentimento de esperança. “Obama reconhece que o país precisa ser curado”, disse o historiador presidencial Michael Beschloss. “Os últimos dez anos foram muito difíceis, começando com um processo de impeachment muito controverso, a recontagem dos votos, o 11 de Setembro, as guerras no Afeganistão e Iraque, o furacão Katrina e, agora, a crise financeira. Se pensarmos no choque que essas coisas todas exerceram sobre o sistema num período de dez anos, acho que Obama reconhece que precisa realmente nos tranquilizar.”


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