São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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ENSAIO

Obama gera exigências e expectativas contraditórias no mundo

Eleição renova a imagem externa dos EUA

ETHAN BRONNER

GAZA - Visto de longe, é assim: há um país onde dezenas de milhões de cristãos brancos, votando livremente, escolhem como líder um negro de origem humilde, filho de um muçulmano. Há um lugar na Terra —os EUA— onde tais coisas acontecem.
Mesmo onde há um particular desprezo pelos Estados Unidos, como na faixa de Gaza, “o glorioso épico de Barack Obama”, conforme descreveu o editor esquerdista francês Jean Daniel, faz os EUA —não só o lugar, mas a idéia— se reerguerem, mesmo que talvez fugazmente, para possibilidades ilimitadas.
“[A ascensão de Obama] nos permite sonhar um pouco”, disse em Caracas o ativista político Oswaldo Calvo, 58, num comentário repetido a correspondentes do “New York Times” em quatro continentes nos dias prévios à eleição.
O historiador britânico Tristram Hunt considera que Obama “traz a narrativa à qual todos querem voltar —que os EUA são a terra das oportunidades e possibilidades extraordinárias, onde milagres acontecem”.
Mas o encantamento é quase ofuscado pelo alívio. A eleição de Obama oferece à maioria dos não-americanos a sensação de que a potência imperial capaz de fazer tanto bem e tanto mal —um país, dizem eles, que a despeito da pregação por justiça torturou seus presos, lançou uma desastrosa guerra no Iraque, deu as costas ao meio ambiente e ambiciosamente arrastou o mundo para o caos econômico— viu seus erros dos últimos oito anos e mudou de rumo.
Essas pessoas dizem que a incansável (e tantas vezes ineficaz) campanha dos EUA pela democracia enfraqueceu as forças democráticas no exterior —ao rejeitar resultados considerados desagradáveis e aceitar acordos com ditadores que eram aliados em outras lutas. E agora, dizem elas, esse mesmo país emite um brilho transformador com o seu próprio exercício democrático.
Seria difícil exagerar o fervor com o qual vastos pedaços do globo torciam por este resultado eleitoral, como repúdio ao governo de George W. Bush e às suas políticas. As pesquisas mostravam que poucos lugares —Israel, Geórgia, Filipinas— preferiam a vitória do republicano John McCain.
“Desde que Bush chegou ao poder, é só ‘bam-bam-bam’ contra os árabes”, afirmou Fathi Abdel Hamid, 40, sentado num café do Cairo.
A visão que o mundo tem do governo Obama contém um paradoxo. Sua eleição encarna o que muitos consideram ímpar nos EUA —embora achem que o país se perdeu por causa do sentimento de possuir um caráter especial, um destino e uma missão. Essas pessoas querem que Obama, sendo beneficiário e exemplar da excepcionalidade norte-americana, aja como qualquer um agiria, só que melhor, para projetar ao mesmo tempo humildade e liderança.
E há também quem receie que Obama seja brando demais num mundo tão demarcado, onde é preciso impor limites a fanáticos, agressores e tiranos. Os israelenses temem que ele converse com o Irã em vez de impedir que o país desenvolva armas nucleares; os georgianos temem que ele não entenda como lidar com a Rússia. No governo Obama, dizem essas pessoas, o apaziguamento é um risco. Vai “tranqüilizar a Europa quanto aos seus defeitos”, lamentou Giuliano Ferrara, editor do jornal direitista italiano “Il Foglio”.
Tais exigências e expectativas contraditórias refletem, em parte, o caráter inédito de um mestiço cuja vida e a criação passaram por vários continentes. “As pessoas o sentem como parte delas por ele ter essa dimensão multirracial, multiétnica e multinacional”, disse o advogado britânico Philippe Sands, especialista em direito internacional.
O romancista e cientista social camaronês Francis Nyamnjoh afirmou ver Obama menos como um negro do que como “um bem-sucedido negociador de margens identitárias”.
Na opinião do escritor, a escolha de tão hábil negociador de identidades globais para o comando dos EUA deverá ajudar a transformar a imagem do país, fazendo com que seja novamente a tela sobre a qual se projetam as esperanças e ambições do mundo.
Shi Yinhong, professor de relações internacionais na Universidade Popular da China, disse que a origem de Obama, especialmente sua infância na Indonésia, o qualifica para compreender os problemas enfrentados pelos países mais pobres do mundo. Ele e outros analistas dizem torcer para que o presidente eleito aceite um lugar mais sólido para as nações pobres dentro do concerto internacional, adotando, nas palavras do vice-ministro indiano de Comércio Jairam Ramesh, um “multilateralismo genuíno, e não um unilateralismo musculoso”.
Pressupondo que Obama aceite mais as regras do jogo internacional, conforme prometeu, será que seu governo cumprirá todas as expectativas?
“Temos tantas esperanças e desejos que nunca poderemos realizá-los”, disse a consultora artística Susanne Grieshaber, 40, uma das 200 mil pessoas que em julho assistiram ao discurso de Obama em Berlim.
Ela citou a proteção ao meio ambiente, a redução do uso da força e a ajuda aos menos afortunados. Essencialmente, ela espera que Obama deixe os EUA mais parecidos com a Alemanha.
Mas ela é realista. “Estou me preparando para o fato de que a paz e a felicidade não brotarão de repente”, disse.

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