São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Beleza do náutilo pode ser sua ruína

Molusco cobiçado por joalheiros corre risco de extinção

Por WILLIAM J. BROAD

Os naturalistas há muito tempo se deslumbram com a concha compartimentada do náutilo. O espiral logarítmico ecoa os braços recurvados de furacões e galáxias distantes. Na Itália, os Médices transformavam as conchas peroladas em rebuscados ornamentos.
Agora, dizem os cientistas, os humanos estão matando de amor esse fóssil vivo.
"Um horrendo massacre está ocorrendo por aí", disse o biólogo Peter Ward, da Universidade de Washington, durante um recente censo da criatura marinha nas Filipinas. "Eles estão quase exterminados."
A culpa é do crescente comércio global de joias e enfeites derivados dessa concha lustrosa, que provoca a morte de milhões de náutilos por ano. No eBay e em outros locais, pequenas conchas de náutilos são vendidas como brincos por US$ 19,95, e como pingentes a US$ 24,95.
As grandes -podendo chegar ao tamanho de um prato- saem por US$ 56. Muitas vezes elas são dissecadas para exibir as elegantes câmaras internas.
Praticamente não há regras para a pesca do náutilo; pescadores de países pobres do Pacífico Sul aceitam US$ 1 por concha.
"Em certas áreas, ele está ameaçado de extermínio", disse o biólogo e paleontólogo Neil Landman, do Museu Americano de História Natural, em Nova York.
Os cientistas temem que a alta na demanda acabe com a espécie, que cresce lentamente e precisa de pelo menos 15 anos para alcançar a maturidade sexual -tempo excepcionalmente longo para um cefalópode.
Ele vive nas encostas de recifes de coral nas águas quentes do sudoeste do Pacífico, em profundidades de até 610 metros.
Embora seja fácil apanhá-los com armadilhas prezas a linhas compridas, o estudo de seu habitat é complexo, pois a profundidade impede o acesso de mergulhadores.
Recentemente, biólogos iniciaram um censo formal em pelo menos seis regiões onde sabidamente vivem essas criaturas tímidas. Landman disse que os relativamente poucos cientistas que estudam o náutilo precisam superar uma "tremenda falta de conhecimento" sobre seus números gerais e distribuição geográfica.
Registros fósseis datam os ancestrais do náutilo no período Cambriano tardio, 500 milhões de anos atrás. Alguns eram verdadeiros monstros marinhos, com conchas gigantescas. Das milhares de espécies, poucas chegaram aos dias de hoje.
A palavra "náutilo" vem do grego para barco. Quando as primeiras conchas chegaram à Europa renascentista, colecionadores perplexos viram nas espirais perfeitas um reflexo de uma ordem universal maior.
Mais tarde, as casas vitorianas as exibiam como curiosidades. Em "Vinte Mil Léguas Submarinas", de Julio Verne, o multicompartimentado submarino se chama Nautilus.
À medida que cresce, o náutilo constrói periodicamente barreiras dentro da sua concha, deixando para trás uma série de compartimentos vazios. Como um submarino, ele altera a quantidade de gás nos espaços vazios para ajustar sua flutuação. E usa a propulsão a jato para nadar.
Para se alimentar de peixes e camarões, ele possui até 90 pequenos tentáculos -e, como todo cefalópode, tem cérebro e olhos relativamente grandes.
A concha em espiral pode exibir um brilho nacarado ou faixas em cores brilhantes. Ele não pode afundar muito, sob risco de a concha explodir -como, aliás, o casco de um submarino.
Um marketing enganoso pode ofuscar as ameaças ao náutilo. O material retirado do interior da concha às vezes é moldado em formatos atraentes, e vendido sob o nome de "pérola Osmeña" (nas Filipinas -onde muitos náutilos são capturados-, a família Osmeña é uma dinastia política; seu nome é garantia de autenticidade).
Um recente anúncio na internet oferece um "colar de pérola Osmeña e prata esterlina" por US$ 495. A colorida propaganda não diz nada sobre a origem da dita pérola.
Colecionadores falam sobre a obtenção de raras "pérolas de náutilos", vendidas por milhares de dólares cada. Os cientistas consideram-nas uma fraude.
Aos poucos, os biólogos vêm reunindo relatos sobre o declínio da população de náutilos perto das Filipinas, Indonésia e Nova Caledônia.
Mas, numa conferência ocorrida no ano passado na França, Patricia de Angelis, do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, informou que o seu país importou 579 mil espécimes entre 2005 e 2008.
De repente, uma espécie considerada abundante se tornou objeto de grave preocupação. Recentemente, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem pagou à equipe de Ward para que iniciasse um censo global a partir da costa da ilha filipina de Bohol, reduto desse comércio.
Em agosto, ele disse que a equipe estava montando 40 armadilhas por dia, mas apanhando (e soltando) no máximo duas criaturas -algo entre 1% e 10% do que se via uma década antes.
Ward suspeita que uma determinada espécie de náutilo "já esteja extinta nas Filipinas", ou quase.
A equipe pretende em dezembro ampliar o censo para a Grande Barreira de Corais da Austrália. Oceanógrafos fazem campanha para que o náutilo seja preservado sob as mesmas regras da ONU que protegem o urso negro, o papagaio cinzento, a iguana e milhares de outros bichos. As regras permitem o comércio, desde que a criação seja legal e sustentável.
De Angeles disse que a equipe pretende esmiuçar a questão populacional e apresentar uma estimativa confiável sobre as dimensões do comércio global do náutilo. "Em última análise", disse ela, "estamos vendo se isso é sustentável".


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