São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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No Japão, cápsulas se tornam lares

Por HIROKO TABUCHI

Tóquio
O que Atsushi Nakanishi, desempregado desde o Natal, chama de lar é um cubículo um pouco maior que um caixão -um das dezenas de beliches empilhados em fileiras duplas em um dos decrépitos "hotéis-cápsulas" no centro de Tóquio.
"É apenas um lugar para entrar e dormir", ele disse, alisando seu terno preto -um dos dois únicos que possui, depois de ter descartado o resto de seu guarda-roupa por falta de espaço. "Você se acostuma."
Quando o Capsule Hotel Shinjuku 510 foi inaugurado, há quase duas décadas, o Japão começava a sair de uma bolha econômica, e os pequenos cubículos de plástico do hotel ofereciam um refúgio por uma noite para funcionários de empresas que tinham perdido o último trem para casa.
Hoje, as cápsulas do Hotel Shinjuku, com 2 m de comprimento e 1,5 de largura, que não têm altura suficiente para se ficar de pé, tornaram-se uma opção acessível para pessoas que não têm outro lugar para morar enquanto o Japão passa por sua pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial.
As empresas exportadoras, antes florescentes, demitiram trabalhadores em massa em 2009, enquanto a crise global deprimia a demanda. Muitos dos recém-desempregados, obrigados a deixar suas casas pagas pelas empresas ou por incapacidade de pagar o aluguel, tornaram-se sem-teto.
Os problemas do país levaram o governo a criar abrigos de emergência durante o feriado de Ano-Novo, em um movimento nacional para ajudar os sem-teto. O Partido Democrata, que assumiu o poder em setembro, quer evitar o destino do antigo governo pró-empresas, que foi apanhado desprevenido quando trabalhadores desempregados armaram tendas perto de órgãos públicos no ano passado, para chamar a atenção para suas dificuldades.
"Nesta gelada temporada de Ano-Novo, o governo pretende fazer o possível para ajudar quem enfrenta problemas", disse o premiê Yukio Hatoyama em um vídeo publicado em 26 de dezembro no YouTube. "Vocês não estão sozinhos."
Nakanishi considera-se relativamente um felizardo. Após trabalhar em empregos diversos em uma fábrica, em salões de jogos e como segurança, Nakanishi, 40, mudou-se em abril para o hotel-cápsula no bairro de Shinjuku, em Tóquio, para economizar no aluguel enquanto trabalhava à noite em uma empresa de entregas.
Nakanishi, que estudou economia em uma universidade local, sonha em ser advogado e durante o dia estuda livros de direito. Mas, sem emprego desde o Natal, ele não sabe por quanto tempo ainda poderá pagar sua cama-cápsula.
O aluguel é surpreendentemente alto por um espaço tão pequeno: 59 mil ienes por mês, ou cerca de R$ 1.100, por um beliche superior. Mas, com amenidades básicas como lençóis limpos e o uso gratuito de banheiro e sauna comunitários, o custo é muito menor do que alugar um apartamento em Tóquio, diz Nakanishi.
Mas as cápsulas não têm portas, apenas telas para baixar, além de somente uma lâmpada, uma pequena TV com fones de ouvido, um cobertor fino e um travesseiro duro de cascas de arroz.
A maioria das posses deve ser guardada em armários. Há uma sala comum com velhos sofás, uma área para refeições e pias. "Nossos principais clientes costumavam ser funcionários que saíam para beber e perdiam o último trem", disse Tetsuya Akasako, gerente do hotel.
Mas, cerca de dois anos atrás, o hotel começou a notar que os hóspedes ficavam semanas, depois meses, ele disse. Hoje, cerca de 100 das 300 cápsulas do hotel são alugadas em base mensal.
Após pedidos de antigos hóspedes, o hotel recebeu uma autorização especial do governo para deixá-los registrar as cápsulas como residência oficial; isso facilita conseguir entrevistas para emprego.
O governo diz que cerca de 15,8 mil pessoas vivem nas ruas do Japão, mas grupos de ajuda calculam um número muito maior, com pelo menos 10 mil só em Tóquio. Esses números não contam os sem-teto "ocultos" da cidade, como os que vivem em hotéis-cápsulas. Também há uma população flutuante que dorme à noite nos muitos cibercafés e saunas.
O índice de desemprego, de 55,2%, é recorde, e o número de famílias que vivem da previdência social aumentou acentuadamente. O índice de pobreza de 15,7% é um dos mais altos entre os países industrializados.
Tais estatísticas ajudam a destruir uma imagem que existia desde a ascensão do Japão como potência industrial, na década de 1970 -a de uma sociedade sem classes.
"Quando o país desfrutou um rápido crescimento econômico, os padrões de vida melhoraram, e as diferenças entre classes foram obscurecidas", disse o professor Hiroshi Ishida, da Universidade de Tóquio. "Com uma economia estagnada, as classes são mais visíveis novamente."


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