São Paulo, segunda-feira, 11 de maio de 2009

Próximo Texto | Índice

Escola de militância

Famílias paquistanesas pobres aderem às madrassas, que promovem islã militante

ZACKARY CANEPARI PARA O NEW YORK TIMES
Meninos estudam praticamente só o Corão numa madrassa no sul do Punjab, onde a escola dá casa e comida a 73 alunos pobres, num país que não prioriza a educação

Por SABRINA TAVERNISE
MOHRI PURI, Paquistão

É fácil confundir a escola da aldeia de Mohri Pori com um celeiro. Ela tem chão de terra e não é iluminada, e corvos invadem suas janelas sem vidros. Numa classe de 140, muitos alunos têm de ficar no pátio.
Mas, se o Estado esqueceu as crianças do local, os mulás não as deixaram de lado. Com a educação pública em frangalhos, as famílias mais pobres do Paquistão recorrem às madrassas (escolas islâmicas), que dão casa e comida às crianças enquanto promovem um islã mais militante do que o tradicional.
As escolas não oferecem praticamente nenhuma instrução senão a memorização do Corão, criando um banco de jovens mentes simpáticas à militância religiosa. Numa análise dos perfis dos homens-bomba que agem na Província do Punjab, leste paquistanês, a polícia local disse que mais de dois terços frequentaram madrassas.
"Estamos no começo de uma grande tempestade que está a ponto de varrer o país", disse Ibn Abduh Rehman, diretor da organização independente Comissão de Direitos Humanos do Paquistão. "É um alerta vermelho para o Paquistão."
O presidente dos EUA, Barack Obama, se declarou recentemente "gravemente preocupado" com a situação no Paquistão, inclusive porque o governo paquistanês não "parece ter a capacidade para cumprir serviços básicos: escolas, saúde, estado de direito, um Judiciário que funcione para a maioria das pessoas". Ele pediu ao Congresso americano que mais do que triplique a ajuda não militar ao Paquistão, com recursos também para a educação.
Desde os atentados de 11 de Setembro, os Estados Unidos deram ao Paquistão mais de US$ 680 milhões em ajuda não militar, segundo o Departamento de Estado, bem menos do que o US$ 1 bilhão dado anualmente aos militares.
No entanto, a educação nunca foi prioridade no país. O atual plano do Paquistão para dobrar o gasto educacional no ano que vem pode fracassar como esforços anteriores, prejudicado pela burocracia, pela instabilidade política e pela falta de compromisso da elite governante paquistanesa com os pobres.
"Esse é um Estado que nunca levou a educação a sério", disse Stephen Cohen, especialista em Paquistão do Instituto Brookings, dos EUA. "Estou muito pessimista sobre se o sistema educacional pode ou irá ser reformado."
As famílias paquistanesas há muito recorrem às madrassas, e as escolas religiosas continuam sendo uma minoria relativamente pequena. No entanto, mesmo para a maioria que frequenta a escola pública, o ensino tem um viés islâmico. O currículo nacional foi islamizado na década de 1980, sob o regime militar do general Zia ul-Haq, que promovia a identidade islâmica paquistanesa como forma de unir sua profusão de tribos, etnias e línguas.
A taxa de alfabetização no país cresceu a partir de pouco mais de 20% na época da independência do Reino Unido, há 61 anos, e o governo recentemente melhorou o currículo e reduziu sua ênfase no islã.
Mas, mesmo hoje em dia, apenas cerca de metade dos paquistaneses sabe ler e escrever, bem menos do que o índice em países com renda per capita semelhante, como o Vietnã. Uma em cada três crianças paquistanesas em idade escolar não vai à escola, e, entre as que vão, mais de 30% desistem até a quinta série, segundo dados da Unesco, agência da ONU para a educação. A taxa de matrícula entre meninas está entre as menores do mundo.
"A educação no Paquistão foi deixada aos cães", afirmou Pervez Hoodbhoy, professor de física da Universidade Quaid-e-Azam, de Islamabad, e crítico contumaz do fracasso do governo em conter a militância islâmica.
Em um miserável trecho rural do sul do Punjab, onde o Taleban começou a fazer incursões com ajuda a grupos militantes locais, está uma das maiores concentrações de madrassas do país.
Das mais de 1.200 registradas no Paquistão, cerca de metade fica na Província do Punjab. Especialistas estimam que o número seja maior: quando o Estado tentou contá-las, em 2005, 20% das áreas desta Província se recusaram a se registrar.
Embora as madrassas representem apenas cerca de 7% das escolas primárias de todo o Paquistão, sua influência é amplificada pela inadequação da educação pública e pela religiosidade inata do interior, que concentra 75% da população.
O fenômeno começou na década de 1980, quando Zia deu dinheiro e terrenos às madrassas, numa política que tinha apoio dos EUA para ajudar combatentes islâmicos contra as forças soviéticas no Afeganistão.
As escolas islâmicas também são vistas como uma oportunidades de emprego e renda. "Quando alguém não vê um caminho à frente para si, constrói uma mesquita e se senta nela", disse Jan Sher, cuja aldeia do Punjab, chamada Shadan Lund, se tornou reduto militante e tem mais madrassas que escolas públicas.
Mesmo que as madrassas não produzam militantes, elas criam uma visão de mundo que possibilita a militância. "A mentalidade [estimulada nessas escolas] quer impedir a música, a educação para meninas e as festas", disse o pesquisador social Salman Abid. "A mensagem deles é que essa não é a vida real, a vida real vem depois" -com a morte.
Abed Omar, 24, havia tido pouca educação religiosa até ser inspirado por um sermão em um seminário de Kabirwala, mantido por seguidores (chamados "deobandi") de uma escola de pensamento sunita ultraortodoxa que se opõe à música e às festas.
Inquieto e não se sentindo realizado, Omar aderiu a um grupo islâmico conservador, pagando cerca de US$ 625 para viajar com seus membros pelo país durante quatro meses numa turnê de pregação. O grupo, Tablighi Jamaat, lhe ensinou que o islã proíbe a música e conversas com mulheres.
Autoridades norte-americanas suspeitam que o grupo seja um ponto de partida para o Taleban. As autoridades paquistanesas afirmam que ele é pacífico. Agora, quando Omar visita amigos, "eles desligam os toca-fitas e me dão seu assento", contou ele.
"Quero fazer de todos pregadores do islã", disse Omar com entusiasmo, enquanto comia bolinhos fritos embebidos em mel, na loja de doces da sua família.
Ele conhece cerca de cem pessoas da sua cidade que fizeram uma jornada de quatro meses como a sua. Quanto aos que se envolvem menos, "são incontáveis", segundo ele.


Colaborou Waqar Gillani, em Mohri Pur e Lahore, no Paquistão


Próximo Texto: Lente: Ideias para um mundo pequeno

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.