São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2011

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Colheita farta no solo de antigo assentamento

Por ETHAN BRONNER

GAZA - Melancias, laranjeiras novas e videiras estendem-se até o horizonte em fileiras. Mangueiras de irrigação percorrem a areia, gotejando em silêncio. Ali perto, macieiras estão começando a florescer. Abacates e mangas estão a caminho.
A faixa de Gaza, isolada de Israel e do Egito nos últimos quatro anos e fortemente dependente de ajuda alimentar, está ampliando uma enorme fazenda estatal, com o objetivo de conquistar sua independência alimentar parcial. O que mais chama a atenção é o fato de o projeto ocupar o centro da faixa costeira, nos locais dos antigos assentamentos israelenses, cujos campos depredados e estufas saqueadas viraram símbolo de tudo o que azedou na retirada israelense, seis anos atrás.
Israel retirou seus 9.000 colonos e todos os seus soldados da faixa de Gaza em 2005. As estufas high-tech dos colonos, que foram compradas para os palestinos com US$ 14 milhões em donativos, foram deixadas sem vigilância, e, em questão de dias, foram saqueados seus computadores, canos de irrigação, bombas de água e lonas de plástico.
O plantio foi retomado, mas, depois de um ataque na fronteira, Israel impôs procedimentos de segurança aos caminhões que deixavam a área; em função disso, os hortigranjeiros foram deixados sob o sol, sendo inutilizados. As áreas das estufas ficaram incultas. Nos últimos dois anos, porém, à medida que a faixa de Gaza -governada pelo grupo islâmico Hamas- vem lutando contra seu isolamento e declínio econômico, as áreas dos assentamentos renasceram.
Rebatizadas de Al Muharat, ou "terras libertadas", elas compõem 30% da superfície terrestre da faixa costeira. As fazendas em partes delas, que estão sendo ampliadas anualmente, garantem emprego a 500 pessoas e fornecem frutas e legumes para grande parte do 1,6 milhão de habitantes da faixa de Gaza. As estufas, em sua maioria, permanecem saqueadas e sem uso.
"Estamos nos libertando economicamente de Israel e estamos a caminho da segurança alimentar", disse Abdel Qader al Astal, diretor do projeto, falando em seu escritório no antigo assentamento israelense de Gadid, renomeado Al Yarmouk.
Pela janela, era possível ver do outro lado do campo a antiga sinagoga de Gadid, uma estrutura com seis lados que era preciosa para muitos dos antigos colonos. Hoje, ela é uma mesquita.
Para os antigos colonos judeus, que começaram a vir para cá na década de 1970, a perda de suas casas e seus meios de subsistência, quando o Exército israelense os retirou da faixa de Gaza, ainda é motivo de trauma.
Num pequeno museu na entrada de Jerusalém que recebeu o nome do antigo bloco de assentamentos, Gush Katif, essa perda está exposta nas chaves da antiga sinagoga penduradas em uma parede, em uma xícara de estilhaços de vidro das janelas, perto da sinagoga, e em fotos de agricultores sorridentes em suas estufas, cultivando gerânios e pimentões amarelos.
A agricultura estava à base da vida dos colonos aqui. Eles eram responsáveis por 10% da produção agrícola de Israel e 65% de seus legumes orgânicos cultivados em estufas, exportando anualmente US$ 25 milhões em hortifrútis. Muitos desses colonos ainda estão vivendo em abrigos temporários em Israel e nos assentamentos na Cisjordânia.
As mudanças não surpreenderam Shlomo Wasserteil, fundador e curador do museu e, no passado, agricultor. Seus antigos empregados palestinos lhe contaram sobre a sinagoga convertida em mesquita, sobre as plantações e a irrigação. Esses antigos empregados são vistos pelo Hamas como colaboradores com os israelenses e, por essa razão, não trabalham no projeto governamental neste local. Mas alguns têm empregos na lavoura nas proximidades. Ecoando relatos de sionistas ao longo dos anos, Wasserteil conta o que ele e os outros colonos encontraram quando primeiro chegaram. "Não havia nada senão areia -nem mesmo um pássaro. Revolucionamos o cultivo na areia e ensinamos nossos vizinhos na Jordânia como fazê-lo."
Indagado sobre como se sente com o fato de o Hamas estar cultivando os campos que foram de israelenses, ele respondeu: "Depende do que eles fizerem com o que produzem. Se for para alimentar terroristas que então nos atacam, não, obrigado. Mas, se for para alimentar as pessoas que vivem ali, e se elas puderem aprender a ser boas vizinhas, isso é bom."

Com reportagem de Fares Akram


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