São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2011

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Lições para a Grécia na moratória argentina

Por CHARLES NEWBERY
e ALEXEI BARRIONUEVO

Os efeitos debilitantes da moratória da Argentina e a desvalorização de sua moeda em 2001 estão presentes. E, com a Grécia apenas evitando a moratória em 30 de junho, depois de agendada votação para cortar gastos, as lições da Argentina são instrutivas. Para começar, a Argentina ainda não conseguiu retornar ao mercado de crédito global.
"Uma moratória não é de graça", disse Jaime Abut, um consultor de negócios em Rosário, cidade ao norte de Buenos Aires. "A Argentina não é mais considerada um país sério."
Economistas dizem que as perspectivas da Grécia poderão ser piores. A Argentina foi e ainda é um grande exportador de produtos agrícolas e tem superavit comercial. O grosso da economia grega são serviços, especialmente o turismo, e a Grécia tem um constante deficit comercial.
Na época de sua moratória, a Argentina enfrentava um deficit fiscal de 3,2% do PIB. O deficit da Grécia foi de 10,5% do PIB no ano passado; o limite da União Europeia é de 3%. E, como porcentagem do PIB, a dívida grega, de 150%, é muito pior do que os 54% que a Argentina tinha.
Mas talvez o maior problema da Grécia seja que usa o euro. Assim, a menos que dê o passo terrível e inédito de sair da zona do euro, a Grécia não pode desvalorizar a moeda soberana, como fez a Argentina.
Apesar dos desafios, a economia argentina cresceu mais de 8% ao ano desde 2003. O país voltou a exportar carros para o Brasil, e o turismo floresceu. "O grande problema da Grécia é que ela tem uma moeda forte, muito mais forte que sua produtividade", disse Eric Ritondale, um economista da firma de consultoria Econviews.
Em 1990, tentando domar a hiperinflação, a Argentina atrelou o valor do seu peso ao dólar americano -uma estratégia que se mostrou insustentável por causa das crescentes taxas de juros globais. O país privatizou muitas indústrias, o que levou a um alto desemprego, mas também tornou a economia mais eficiente (a Grécia sofre pressão para privatizar).
Em 1999, porém, a pobreza e o desemprego estavam em disparada. Assim como a Grécia hoje, as tensões sociais aumentavam. Houve oito greves gerais na Argentina em 2001, com saques e bloqueio de ruas. Ondas de argentinos deixaram o país. Os argentinos "sentiam que esse país não tinha esperança", lembrou Daniel Kerner, analista do Eurasia Group, uma consultoria de risco político. Depois que o governo caiu e quatro presidentes assumiram o poder em um período de dez dias, um quinto, Eduardo Duhalde, desvalorizou a moeda em 2002. Pouco depois, o Congresso aprovou a moratória da dívida.
Em 2003, Néstor Kirchner, que sucedeu Duhalde, embarcou em um novo modelo econômico, que ainda é seguido: manter a moeda fraca para promover exportações e desencorajar importações e manter superavits fiscal e comercial.
O aumento global dos preços de matérias-primas agrícolas ajudou essa estratégia. A Argentina, um grande produtor de soja, viu os preços do produto aumentarem de US$ 200 por tonelada em 2003 para cerca de US$ 500.
A Grécia não pode esperar uma recuperação semelhante. Mas economistas dizem que pode se beneficiar do exemplo argentino de reestruturação da dívida -ao não repeti-lo.
O governo argentino conduziu a primeira de duas reestruturações da dívida em 2005. Investidores estrangeiros não governamentais, incluindo fundos de pensão da Itália e do Japão, perderam dois terços dos investimentos.
O único credor pago foi o FMI, para quem a Argentina devia US$ 9,8 bilhões desde a década de 1990. Desde então, a Argentina não emprestou do FMI. Para a Grécia, que concordou em reduzir os gastos como condição para uma ajuda do FMI e da União Europeia, as medidas de austeridade são hoje uma grande fonte de discórdia social.
Uma grande parte dos negócios inacabados da Argentina é pagar uma dívida de US$ 9 bilhões que ainda tem com o Clube de Paris, de 19 países credores.
Mesmo que a Argentina possa voltar aos mercados de dívida globais, analistas dizem que terá de pagar taxas de juros até duas vezes maiores do que paga o Brasil.
No entanto, animada por sua capacidade de desvalorizar a moeda, a economia argentina está crescendo. "Vivíamos aterrorizados pelas mudanças no final dos anos 90, de que perderíamos nossos empregos", disse Matilde Adorno, 68, uma diretora da Brukman, fábrica de ternos masculinos que sobreviveu depois que seus trabalhadores assumiram o controle em 2002. "Hoje, temos muito trabalho."

Charles Newbery reportou de Buenos Aires e Alexei Barrionuevo, de São Paulo e de NY


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