São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2010

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ENSAIO
ROBERTA SMITH


A pintura ainda não está morta

Poucos mitos modernos sobre a arte foram tão persistentes ou incômodos quanto a chamada morte da pintura. A menos, é claro, que seja a crença de que a pintura abstrata e a figurativa são como óleo e água, nunca poderão se unir.
As duas ideias se relacionam. A insistência modernista na separação entre representação e abstração roubou a vitalidade essencial da pintura. Ambas as noções têm defensores conhecidos. E ambas, para mim, parecem muito típicas do século 20.
A comunicação pictórica -signos, símbolos, imagens e cores sobre uma superfície plana- é uma das mais antigas e mais ricas invenções humanas, como a escrita ou a música. Começou nas rochas e nas superfícies de potes de barro e nas tramas dos tecidos, depois passou para paredes, painéis de madeira, cobre e tela.
Hoje inclui telas de plasma, Photoshop e novelas gráficas. Mesmo assim, a tinta em uma superfície portátil continua sendo um dos meios mais eficientes e íntimos de autoexpressão. Quanto à representação e a abstração, de um ponto de vista histórico e perceptivo elas foram geralmente inseparáveis.
A pintura -como toda arte- tende a atrair e deter nossa atenção com sua energia, abstrata ou formal. Mas mesmo as pinturas abstratas têm qualidades figurativas; o cérebro humano não pode deixar de dar significado à forma.
Houve momentos de surpreendente equilíbrio entre o figurativo e o abstrato -por exemplo, os mosaicos bizantinos; tecidos e cerâmicas pré-colombianos e dos indígenas americanos; telas japonesas; pintura mongol; e o pós-impressionismo.
A pintura pode estar em um lugar semelhante hoje, fomentada principalmente, mas nem sempre, por jovens pintores que surgiram na última década. Eles se sentem mais livres para pintar o que quiserem do que em qualquer momento desde a década de 1930, ou talvez até a de 1890, quando o pós-impressionismo estava no auge.
No final do século 19, a pintura foi radicalmente modificada por uma série de explosões artísticas -o novo figurativismo abstrato do pós-impressionismo de Van Gogh a Ensor; os extremos de cor preferidos pelos fauves, como o jovem Matisse, e expressionistas alemães como Kirchner; o esmiuçamento da forma figurativa pelo cubismo e o futurismo; e, finalmente, o florescimento do próprio abstracionismo, na obra de Malevich e Mondrian.
Na década de 1970, graças principalmente a críticos formalistas como Clement Greenberg e Donald Judd, a pintura foi achatada e esvaziada de figuras, tema principal e espaço ilusionista.
Ela também foi superada, ao que parece, pela explosão de múltiplos meios do pós-minimalismo. Mas seguiu-se uma espécie de inveja da figura: como os pintores podiam olhar as figuras em grande parte da arte em vídeo, corpo e performance e não pensar "eu quero um pouco disso"?
Nos anos 80, a pintura voltou aos poucos, principalmente porque pintores como Sigmar Polke, David Salle e Julian Schnabel começaram a opor a figuração à abstração.
Mas a cada geração de pintores a autoridade de Greenberg e Judd diminui, enquanto a história do pictórico se expande, revelando novas possibilidades para acadêmicos, curadores e artistas.


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