São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2010

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Estudo tenta decifrar nosso gosto pela ficção

Por PATRICIA COHEN

O processo complexo de decifrar o que outra pessoa está pensando -ou seja, de fazer a leitura da sua mente- é tanto um artifício literário comum quanto uma habilidade essencial à sobrevivência. A razão de os humanos serem dotados dessa capacidade, e quais funções cerebrais específicas a conferem a eles, são questões que interessam sobretudo a psicólogos cognitivos.
Agora, professores de inglês e estudantes de pós-graduação se dizem convencidos não só de que a ciência oferece "insights" inesperados sobre textos individuais, como que ela pode ajudar a responder perguntas sobre a própria existência da literatura: Por que lemos obras de ficção? A que se deve nosso interesse por personagens inexistentes?
Jonathan Gottschall, que já escreveu sobre o uso da teoria evolutiva para explicar a ficção, identifica "um novo momento de esperança" em uma era em que todos falam sobre "a morte das humanidades". Para ele, a abordagem científica pode resgatar os departamentos de literatura das universidades do mal-estar que os vem acometendo nos últimos 15 anos.
Chegar às origens do fascínio das pessoas pela ficção e a fantasia é, segundo ele, "mapear o país das maravilhas".
Lisa Zunshine, professora de inglês na Universidade Kentucky, se interessa especialmente pelo que cientistas cognitivos chamam de a teoria da mente, que envolve a capacidade de uma pessoa de interpretar o estado mental de outra e de identificar a origem de uma informação específica, para avaliar sua validez.
Os romances de Jane Austen frequentemente são construídos em torno de interpretações equivocadas. Em "Emma", a heroína supõe que as atenções do sr. Elton assinalam um interesse romântico por sua amiga Harriet, quando, na realidade, ele quer se casar com a própria Emma.
Ela também erra ao interpretar os comportamentos de Frank Churchill e do sr. Knightly, confundindo-se quanto aos verdadeiros objetos de seus afetos.
Para Zunshine, os humanos conseguem acompanhar sem dificuldades três estados mentais ao mesmo tempo. Quando se acrescenta um quarto nível, tudo fica mais difícil, e, segundo a professora, experimentos indicam que, nesses casos, a compreensão cai 60%.
Autores como Virginia Woolf são mais desafiadores porque ela pede a seus leitores que acompanhem seis estados mentais distintos.
Talvez a facilidade humana com três níveis esteja relacionada às intrigas da formação de pares sexuais, sugeriu Zunshine.
Será que eu penso que ele se sente atração por mim ou por ela? Seja qual for a causa, argumenta a professora, as pessoas acham interessante a interação de três mentes.
Zunshine integra uma equipe de pesquisadores composta por estudiosos literários e psicólogos cognitivos que têm usado instantâneos do cérebro em ação para estudar a mecânica da leitura. O projeto tem por objetivo aprimorar a habilidade de leitura de estudantes universitários.
"Partimos da premissa de que há uma diferença entre o tipo de leitura que as pessoas fazem quando leem Proust ou Henry James e quando leem um jornal, e que um valor cognitivo é adicionado quando lemos textos complexos", disse Michael Holquist, professor de Yale que comanda o projeto.
A equipe passou quase um ano estudando como fazer um teste de complexidade. A solução que encontrou foi a leitura de mentes -ou seja, quão bem um indivíduo é capaz de acompanhar fontes múltiplas. O estudo piloto vai envolver 12 pessoas.
Blakey Vermeule, professora da Universidade Stanford, estuda a teoria da mente desde uma perspectiva diferente. Ela parte da premissa de que a evolução contribuiu para nosso amor pela ficção e, então, examina a técnica narrativa conhecida como "estilo indireto livre", que mescla a voz do personagem com a do narrador e permite aos leitores situar-se em dois ou até três pensamentos ao mesmo tempo.
Esse estilo, marca registrada do romance a partir do século 18, com Jane Austen, se desenvolveu porque satisfaz "nosso interesse por pensamentos e motivações secretos de outras pessoas", disse.


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