São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2010

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Ciência oferece riscos e oportunidades às trabalhadoras

Por KATRIN BENNHOLD

PARIS
A discreta revolução que tem feito as mulheres do mundo todo se equipararem aos homens em termos de trabalho e educação chegou também à ciência, o mais teimoso reduto masculino.
No ano passado, três mulheres receberam Prêmios Nobel científicos, um recorde. As mulheres agora obtêm 42% das titulações em ciências nos 30 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico; em áreas como biologia e medicina, mais de 6 em cada 10 graduados são do sexo feminino.
Na União Europeia, o número de pesquisadoras cresce quase o dobro em relação ao de pesquisadores homens. Mas, se o avanço é notável desde que Marie Curie, dona de dois Nobel, foi barrada na academia francesa de ciências, há um século, ele tem sido mais lento -e bem menos uniforme- do que em outras partes da sociedade.
"As mulheres precisam da ciência, e a ciência precisa das mulheres", disse Béatrice Dautresme, executiva-chefe da Fundação L'Oréal e mentora do prêmio L'Oréal-Unesco para as Mulheres na Ciência, concedido anualmente a cinco cientistas. "Se as mulheres conseguirem [vencer] nesse ramo, conseguem em qualquer lugar."
O número de professoras titulares de ciências em universidades de elite dos EUA empacou em 10% no último meio século. Em todo o mundo, pouquíssimas mulheres presidem academias nacionais de ciências. Dos 540 Prêmios Nobel de ciências já concedidos, só 16 foram para mulheres.
O cabo de guerra entre números encorajadores e detalhes deprimentes é, de certa forma, a história do avanço feminino como um todo. As mulheres obtêm melhores notas e mais diplomas que os homens nos países industrializados.
Mas elas ainda ganham menos e têm mais propensão a trabalhar só meio período. Nos 27 países da União Europeia, as mulheres são apenas 18% dos professores universitários contratados com estabilidade trabalhista. E as grandes verbas das ciências hoje em dia estão na computação e engenharia -os dois campos com menos mulheres. A ciência, na prática, será a última fronteira do movimento feminino.
Diante de desafios prementes para a humanidade -como a mudança climática, doenças complexas ou as consequências da revolução digital-, a escassez de pessoas com as qualificações corretas se torna iminente em muitos países.
Isso representa ao mesmo tempo uma oportunidade e um risco para as mulheres: nos próximos anos, as pessoas que dominam as ciências irão mudar o mundo -e muito provavelmente irão receber os melhores salários.
Muitos obstáculos que as mulheres em geral enfrentam estão solidamente cristalizados nas profissões científicas e tecnológicas. Equilibrar família e carreira é particularmente complicado quando o relógio profissional compete com o relógio biológico, ou se um trabalho de engenharia exige longas temporadas numa plataforma petrolífera em alto-mar.
E não faltam estereótipos. A mexicana Blanca Treviño é cientista da computação e executiva-chefe da empresa de TI Softtek. Ela se lembra de uma professora de jardim da infância que lhe telefonou para avisar que sua filha estava brincando com uma calculadora, e não com bonecas.
"Aquela senhora me disse que minha filha estava inventando histórias, dizendo que sua mãe tinha um escritório e um assistente", disse Treviño. "A ideia de que isso pudesse ser verdade não lhe ocorreu."
Nas Filipinas, a bioquímica Lourdes Cruz, ganhadora deste ano do prêmio L'Oréal-Unesco na região Ásia-Pacífico, foi educada numa escola para meninas e estimulada por seu pai, um químico.
Fez carreira como pesquisadora entre a Universidade de Utah e o Instituto de Ciências Marítimas de Quezon City, no seu país. Nunca teve tempo para se casar nem ter filhos, contou ela.
Recentemente, duas mudanças começaram a nortear o pensamento de políticos e empresas: a escassez de engenheiros e de outros profissionais qualificados no Ocidente, e o crescente número de formandos em ciência e tecnologia em países como China e Índia, justo quando o equilíbrio do poder econômico está se deslocando para o Oriente.
Até 2017, a Alemanha deve ter um deficit de 200 mil engenheiros, e o Reino Unido precisará de mais de meio milhão de trabalhadores qualificados para satisfazer a demanda dos setores de energia limpa, transportes e aeroespacial.
Os EUA, enquanto isso, se encontram no terço inferior dos rankings internacionais da OCDE relativos à aptidão matemática e científica no ensino médio.
Ao mesmo tempo, países em desenvolvimento -especialmente na Ásia- aumentaram sua participação no conjunto global de pesquisadores, de 30% em 2002 para 38% em 2007, segundo a Unesco.
"Tudo está no lugar para que as mulheres tenham sucesso na ciência: agora, as diferentes peças têm simplesmente que se juntar", disse Dautresme, da L'Oréal. "Acredito que este século verá muito mais mulheres se tornarem líderes nas ciências."


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