São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2010

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DIÁRIO DE PORTO PRÍNCIPE

Sozinho, haitiano tenta organizar trânsito no pós-terremoto

Por DAMIEN CAVE

PORTO PRÍNCIPE, Haiti - O Toyota Corolla cinza avançou para mais perto do centro do cruzamento e tentou passar despercebido pelo homem manco que comandava o tráfego, trajando uniforme do Exército jordaniano e brandindo um apito e uma vareta de plástico.
Mas Du Du não hesitou. Apontou seu bastão para trás e, então, virou-se para enfrentar o infrator. Um apito agudo. Um olhar irado. E a ameaça de engarrafamento se desfez. "Sou profissional", disse Du Du. "Se quero fazer o trânsito andar ou parar, eu faço."
Isso pode não soar como grande coisa, mas andar de carro em Porto Príncipe desde o terremoto de janeiro é mergulhar no décimo círculo do inferno. Imagine ruas repletas de barracas, pilhas de escombros, pedestres e vendedores ambulantes; táxis que freiam repentinamente, caminhões, poucos faróis de trânsito, calor escaldante e motoristas impacientes.
Agora, imagine uma orquestra sinfônica. Sim, porque é exatamente assim que Du Du (cujo nome completo é Levy Azor) trata o que nós, outros, vivenciamos como um caos. Nenhum órgão oficial o contratou. Ele é simplesmente um freelancer com paixão pela ordem.
E, em um momento em que o governo haitiano atrai sobretudo revolta por sua ausência, Du Du -que trabalha em troca de gorjetas e se recusa a entrar para a polícia ou as Forças Armadas- tornou-se símbolo de esperança e da criatividade que floresce em um vazio onde falta a presença do Estado.
Seus amigos e vizinhos dizem que, em seus 23 anos de serviço público não autorizado, Du Du nunca antes foi tão apreciado. "Ele trabalha pelo país", afirmou Michelle Anthony, 38.
O terremoto quase o matou. Quando aconteceu, por volta das 17h, Du Du estava em seu local de trabalho costumeiro: o cruzamento das ruas Borgela e Sans-Fil, entre o centro da cidade e o aeroporto. Quando os prédios à sua volta ruíram, um poste de luz caiu sobre suas pernas.
Hoje, quase cinco meses depois, a área ainda não foi recuperada. Um giro de 360 graus pelo cruzamento em que Du Du atua abrange uma fileira de barracas, casas desabadas, um monte de lixo e ambulantes. Ali perto, o apartamento de dois cômodos de Du Du -onde ele vive sozinho, com apenas um colchão no chão e um calendário na parede- sobreviveu ao abalo.
Agora Du Du, 43, anda mais devagar; suas pernas ainda ostentam as cicatrizes do acidente. Muitos de seus parentes estão vivendo em barracas. E muitos dos motoristas que antigamente lhe davam gorjetas de 100 gourdes (R$ 4,40) deixaram de passar pelo cruzamento. "Talvez tenham morrido", diz ele. "Talvez tenham deixado o país."
Apesar disso tudo, Du Du tem um ritmo e estilo que parecem funcionar, não importa quais as circunstâncias. Seu bastão roxo geralmente é seu instrumento principal, mas seu corpo e seu apito o acompanham. Apenas 1 em cada 20 motoristas, mais ou menos, lhe dá uma gorjeta ao passar, mas Du Du diz que não faz seu trabalho pelo dinheiro.
Ele explicou que deseja preservar sua independência. Indagado por que nunca se tornou policial ou soldado, respondeu que não quer em trabalhar para um governo que faz tão pouco por seu povo. "Tento me virar, simplesmente", disse. "Amo meu trabalho."


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