São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2010

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Autorretrato molda nossa identidade na web

Por DAVID COLMAN

A refinada arte da autoapresentação costumava ser dominada apenas por modelos e astros de cinema. Os reles mortais faziam o melhor que podiam para ocasiões especiais, como comemorações familiares.
Mas, hoje, ter a câmera de celular apontada em sua direção se tornou parte tão corriqueira dos prazeres e dores da vida quanto pedir um café na Starbucks. Agora, com o iPhone, da Apple, essa nova onda de vaidade ganhou ímpeto ainda maior.
Com uma segunda lente de câmera que observa o observador (e não o panorama), o iPhone simplificou algo que causava dificuldade às pessoas desde que começaram a usar a web: tirar uma boa foto delas mesmas. A geração da internet por fim pode obter bons autorretratos.
"As pessoas agora estão se acostumando a ajustar sua aparência diante de uma câmera", diz Keith Gould, criador do Daily Mugshot, site gratuito que permite que os usuários subam automaticamente a cada dia uma foto deles mesmos.
Como resultado, os autorretratos têm rapidamente se tornado faceta tão vital da maneira pela qual nos apresentamos quanto nossas roupas, forma física ou vozes. Fotografar a si mesmo parece ser um talento natural para os jovens. E é uma capacidade que você não pode se dar ao luxo de negligenciar, se for solteiro e tiver menos de 50 anos. Além disso, os autorretratos estão mudando a fotografia em si.
"É uma mudança na função da fotografia, de instrumento memorial a dispositivo de comunicação", disse Geoffrey Batchen, professor de História da Arte na Universidade Victoria (Nova Zelândia).
Enquanto organizações travam campanhas para convencer as revistas de moda a abandonar os retoques digitais nas fotos de modelos e atrizes, a sensação na Adobe, cujo programa Photoshop é o mais utilizado para alterar fotografias, é que mais consumidores vêm aderindo aos retoques, em vez de tentar derrotá-los.
Mas a preocupação com a autoimagem não demora a se atenuar, percebeu Gould, do Daily Mugshot. "À medida que as imagens diárias se tornam parte de sua vida, a pessoa simplesmente passa a aceitar seu cabelo estranho."
O que começa como exercício de narcisismo e controle de imagem acaba por se tornar algo mais rotineiro e sincero, uma crônica do rosto que apresentamos ao mundo apesar de nossos esforços para esconder suas falhas.
Por mais simplório que isso pareça, uma das constatações do OkCupid, popular serviço de paquera on-line, foi a de que os usuários respondem de maneira mais favorável a fotos que pareçam ter sido tiradas pela própria pessoa do que a fotos que mostram a pessoa de maneira mais lisonjeira.
Para determinar quais outros fatores tornam uma foto mais atraente, o OkCupid tabulou o número de respostas que expressavam interesse por milhares de fotos. As mulheres respondiam com mais frequência a fotos nas quais os homens não estavam olhando para a câmera. Já os homens tendem a reagir de forma mais favorável a fotos que mostram a mulher em casa (e com um look um tanto sexy).
Mas, para os dois sexos, as fotos que mostram uma pessoa sorrindo invariavelmente derrotam imagens de rostos sisudos. "Para as fotos de homens, especialmente", diz Sam Yagan, um dos fundadores do site, "o sorriso é crucial".
Sam Gosling, professor-associado de psicologia na Universidade do Texas, fez estudos sobre as suposições das pessoas quanto a imagens de desconhecidos em fotos. "O que descobrimos é que é mais difícil do que parece manipular esse tipo de coisa", afirmou.
"Realizamos estudos no Facebook nos quais recolhemos as impressões sobre as fotos de alguém no site e as comparamos com a maneira pela qual a pessoa gostaria de ser percebida, e também com a maneira pela qual os observadores a percebem de fato."
O resultado: os observadores veem a pessoa da maneira pela qual ela mesma se vê, e não pela qual gostaria de ser vista. A câmera, de fato, não mente -pelo menos não quando aprende a conhecer a pessoa muito bem.


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