São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2010

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ENSAIO

STEVE JOHNSON

Antes solitária, a leitura é hoje uma atividade social

CHRISTOPHE VORLET

"A ideia dos livros é combater a solidão", observa David Foster Wallace quase no início de "Although of Course You End Up Becoming Yourself" (Mas, é claro, você acaba sendo você mesmo), a longa entrevista que ele deu a David Lipsky, recém-publicada na forma de livro.
Se você o estiver lendo no Kindle, uma linha tracejada sublinha a frase. A Amazon chama esse novo recurso de "popular highlights" (destaques populares), que permite que outros leitores salientem o trecho em seus Kindles.
Embora o dispositivo possa ser desativado pelo usuário, os destaques populares sem dúvida vão assustar Nicholas Carr, cujo novo livro, "The Shallows" (Os rasos), afirma que a compulsão pela rapidez, as conexões e o caráter "multitarefa" de nossa leitura nas telas está minando o enfoque profundo e imersivo que definiu a cultura literária durante séculos.
Com os "destaques populares" haverá um coro de leitores virando as páginas junto conosco. Daqui a pouco tempo provavelmente poderemos conhecer esses colegas de leitura e compartilhar histórias com eles. Combater a solidão? David Foster Wallace só viu a metade da coisa.
O argumento de Carr é que essas distrações têm um alto custo, e a publicação de seu livro coincide com artigos que relatam estudos científicos mostrando como a "multitarefa" prejudica nossa concentração.
Esses estudos sem dúvida têm uma tese válida, mas não são importantes como indicador cultural sem levar em conta o que ganhamos com a multitarefa.
Para seu crédito, Carr prontamente admite o argumento da eficiência. Sua preocupação é o que acontece com o pensamento de alto nível quando a cultura migra da página para a tela.
Carr afirma que a "mente linear e literária" que esteve no "centro da arte, ciência e sociedade" ameaça tornar-se a "mente de ontem", com terríveis consequências. Aqui também acho que as preocupações são exageradas.
Supostamente, as primeiras baixas do pensamento "raso" devem ter aparecido nas linhas de frente do mundo tecnológico, cujos participantes passaram a maior parte do tempo no espaço hiperconectado da tela. No entanto, a sofisticação e os matizes dos comentários na mídia cresceram drasticamente nos últimos 15 anos.
Os instrumentos intelectuais para se avaliar a mídia, que já foram território de acadêmicos e críticos profissionais, hoje são muito mais acessíveis às massas.
Sim, estamos menos enfocados hoje, graças ao estímulo elétrico da tela. Sim, lemos ligeiramente menos narrativas e argumentos longos do que 50 anos atrás. Esses são custos, é claro. Mas e o outro lado da balança? Estamos lendo mais textos e escrevendo com muito maior frequência do que na época áurea da TV.
Estamos ligeiramente menos concentrados e exponencialmente mais conectados. É uma troca que todos deveríamos nos alegrar em fazer.


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