São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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11 DE SETEMBRO: DEZ ANOS DEPOIS

Dez anos depois, ajustando-se à nova realidade

Todas as informações que passaram a ser colhidas sobre quem somos e o que fazemos -uma espionagem que é mais aceita do que é objeto de reclamações. Uma leve e persistente desconfiança em relação a muçulmanos. Um par de guerras distantes que se negam a terminar facilmente, com conta que já chega a US$1,3 trilhão e está aumentando.
A certeza de que qualquer prestação de contas completa terá que incluir o custo da defraudação do futuro da América.
Para a maioria dos americanos, a influência do 11 de Setembro sobre a vida cotidiana é sentida muito menos intensamente que a chegada do Facebook e do Twitter. Ou que a erupção de vozes irritantes que fazem discursos entediantes na TV a cabo. Ou que a recessão sufocante.
Em última análise, cada pessoa confere um significado pessoal ao 11 de Setembro, se possível. Tirando as famílias das vítimas, a vida da maioria das pessoas pode não ser muito diferente. Mas sobrou um resíduo, alguma coisa do 11 de Setembro que não se dissipou por completo.

Cruzando a linha
Em meio ao choque e aos escombros, Gerard Decatrel tentou imaginar o futuro de Nova York -os caminhos que poderia seguir. Naqueles dias, a imaginação podia levar a pessoa longe.
Decatrel trabalhava na Morgan Stanley, em Manhattan, como corretor. Tinha 30 anos. Vivia na cidade e era pai de família.
Enquanto traçou cenários possíveis, ele decidiu que havia alguns que ele poderia aceitar e outros que não poderia.
"Tracei uma linha", ele contou. "Se Nova York ficasse como Jerusalém, e houvesse ataques convencionais acontecendo o tempo todo, eu poderia aguentar. Mas decidi que, se houvesse ataques biológicos ou químicos, eu me alistaria nas forças armadas."
Ele não pôde explicar a reacão muito bem. Não conhecia ninguém que tivesse morrido nas torres gêmeas.
Pegar em armas significaria ingressar em uma nova vida, deixando para trás sua mulher, uma filha de 4 anos e um filho de 1 ano. "Não sei por que, mas encarei a coisa pessoalmente", disse ele. "Eu sempre tinha sido nova-iorquino, a vida inteira."
No outono daquele ano, os misteriosos ataques com antraz se abateram sobre a cidade já estressada e amedrontada. Foi o que bastou. O limite de Decatrel tinha sido cruzado. Ele entrou para os Marines. A Morgan Stanley disse que entendia; falou que ele podia ir e que seu emprego estaria à sua espera quando ele retornasse em segurança. Sua mulher concordou. Ele não sabia, na época, que ela aceitara pensando que o Exército o rejeitaria por ele ser velho demais.
Decatrel teve que comprometer-se a fazer o treinamento e prestar seis anos de serviço militar -ao todo, oito anos de sua vida. Ele se mudou para a Virgínia, a Flórida e a Califórnia.
E então foi ao Iraque para três turnos de sete meses como piloto de um helicóptero de ataque Cobra. Ele pilotou mais de 500 missões. Disparou contra o inimigo, e o inimigo atirou de volta, "mas eles não eram muito bons de mira", comentou. "E não tinham as melhores armas."
O clima era o maior perigo, para ele: as tempestades de areia que podiam reduzir a visibilidade a zero. Decatrel se sentia velho -quase todos os outros eram tão jovens. Dois pilotos de seu esquadrão foram mortos. Mas ele fez o tipo de amizades duradouras que não se faz em outro contexto.
Ele foi dispensado dos Marines em setembro passado.
Está em sua cidade outra vez. Está trabalhando para a Morgan Stanley outra vez, mais uma vez comprando e vendendo divisas, lutando contra o mau humor dos mercados.
Ele fez alguma coisa. Serviu o Exército. Ele diria que se tornou alguém diferente. "Sinto que tenho mais confiança e tenho uma perspectiva diferente", disse Decatel. "Alguma coisa dá errado no mercado e todo o mundo se apavora. Mas eu, não. Ninguém está morrendo. O mercado não me assusta."

A vida civil mais agressiva
Algumas pessoas, porém, lamentam o passado. Jonathan Zimmerman, professor de educação e história na Universidade de Nova York, disse: "Me recordo de as pessoas dizerem 'vamos todos ser nova-iorquinos'. As pessoas disseram que todos ficaríamos sérios. Falar disso é hilário."
Zimmerman disse o que todos enxergamos: "A vida civil está ainda mais prejudicada, mais polarizada, mais agressiva. Aquilo (o 11 de Setembro) não exerceu o efeito salutar que poderíamos ter esperado."
Dalton Conley, reitor de ciências sociais na Universidade de Nova York, comentou: "Acho que o irônico é que o lugar menos afetado em termos de seu cotidiano e de mudanças fundamentais é, na realidade, Nova York, o epicentro do acontecimento. Até nossa universidade previu que fôssemos sumir do mapa."
Ele conhece alguém que partiu da narrativa daquele dia e fez algo realmente ousado, mudou sua vida de fato? Conley disse que sim. Foi o pai de uma amiga de sua filha -um corretor de Wall Street que partiu para a guerra.

Mudando a história
O presidente George W. Bush entendeu o 11 de Setembro como uma declaração de guerra. Para outros, foi um enorme crime de ódio. De uma maneira ou outra, impeliu os EUA a um estado de guerra permanente.
O professor de história David Blight, da Universidade Yale, observou que o significado de um acontecimento sempre é feito pela história subsequente. "É assim que funciona a memória", explicou. "A memória sempre faz referência ao presente."
"A ideia inocente de que vivemos acima da história, que não somos vulneráveis, que controlamos nosso destino, sofreu um golpe muito forte com o 11 de Setembro. Acho que isso ainda está sendo sentido, mas estamos reciclando isso."
O que não significa que o dia não tenha deixado obrigações, não tenha imposto dívidas que algumas pessoas sentiram que precisavam pagar.

Abrindo pequenas portas
A tristeza precisava ir para algum lugar. Havia lugares para recebê-la -receptáculos on-line-, e as contribuições vieram de todas as partes.
Em 19 de setembro de 2001 uma contribuição chegou de Colleen Casey, de Bolingbrook, Illinois. Ela exprimiu a condição sentida por muitos outros: "Acho que minha vida nunca voltará a ser como era antes".
Ela enviou um poema, "I Needed the Quiet" (Eu Precisava da Calma), que tinha descoberto quando tinha 14 anos e seu pai morreu de ataque cardíaco. O poema a tinha ajudado; talvez pudesse ajudar outras pessoas. E ela escreveu: "Vou tentar viver minha vida de um jeito melhor."
Americanos tinham morrido pelo fato de terem ido trabalhar. Casey sentiu que precisava fazer com que o sacrifício deles fizesse sentido.
Hoje ela vive em Addison, Illinois, e é revisora de licenças de materiais da Comissão Reguladora Nuclear. É o mesmo emprego, mas em uma cidade nova. Casey tem 54 anos e é solteira.
Ela viveu sua vida "de um jeito melhor"? Não é fácil uma pessoa se remodelar. Ela sabia disso.
Mas havia portas pequenas que ela podia abrir. Ela era tímida. Mas começou a fazer mais coisas, começou a não se deixar deprimir com seus próprios problemas, a ir a lugares onde nunca antes tinha ido.
Ela conta ter participado em uma caminhada contra a diabetes, outra caminhada em prol de um abrigo para sem-tetos e ainda outra em prol da prevenção do suicídio. "Estamos todos tentando batalhar juntos pela vida. Eu estou tentando fazer um pouquinho mais. É só o que posso fazer."

Um aniversário para odiar
Angela Landon estava sentada em sua casa em Bangor, no Maine, e sua mãe lhe telefonou para lhe dar a notícia terrível. No dia do aniversário dela. "Minha mãe me ligava todos os anos e dizia 'que lindo dia para ter nascido'", ela contou.
Durante algum tempo, ela passou a odiar seu aniversário. Hoje ela se emociona. "Dez anos mais tarde, é difícil", disse ela.
'Preparados por natureza para lidar com tragédias'
Aquele dia mergulhou fundo na mente, e ninguém sabia quão profundo mergulharia, nem por quanto tempo permaneceria. Mas por muito tempo, e profundamente.
Mas estudos sugerem que o preço psicológico duradouro não tenha sido, nem de longe, tão terrível quanto muitos especialistas previram. A grande maioria das pessoas seguiu adiante com suas vidas assim mesmo.
"Acho que possuímos resiliência inata", disse George A. Bonanno, professor de psicologia clínica na Universidade Columbia, em Nova York, e estudioso do trauma e da tristeza. "O normal é ser resiliente."
Isso acontece em parte porque temos tanta prática na vida -prática obtida com traumas não tão singulares, mas ainda assim fortes, como divórcios ou doenças. "Somos preparados por natureza para lidar com eventos traumáticos", disse Bonanno.
Assim, 33 mineiros chilenos soterrados nas profundezas da terra conseguem sair disso com sua sanidade intacta. As pessoas podem assistir a uma avalanche de lama varrer sua casa do mapa. Podem ver torres altas desabar, e levam a vida adiante.
"A história humana é repleta de tragédia, e dentro dessas tragédias há espaço para crescimento", disse Grady Bray, psicólogo que vive no Texas. "Não existe crescimento humano sem lutas. Estou convencido disso."

A premonição de uma criança
Sasha Vaccaro terminou a aula de culinária -hoje foi espetos de carne, superdivertidos- e tinha o resto da tarde livre. Ele se sentou num Starbucks do outro lado da rua em relação a sua casa no Upper East Side de Manhattan e tomou uma limonada Passion Tea. Ele tem 15 anos.
Sasha tem uma vida complicada. Ele sofre de depressão que pode ser incapacitante. Já foi diagnosticado com aspectos da síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno obsessivo-compulsivo. Seu irmão menor é autista. Seus pais são divorciados.
Seu 11 de Setembro foi assim: ele estava no jardim de infância, a quatro quarteirões do World Trade Center, tocando pandeiro na aula de música.
Seu pai o pegou nos braços e o levou embora no momento em que o segundo avião abriu um rombo na lateral da torre. Ele viu os dois edifícios em chamas. Seu pai chorou, e ele também.
"Antes disso, eu achava que o mundo era perfeito e todo o mundo era bonzinho", contou Sasha. "Depois daquele dia eu deixei de acreditar em Deus."
As torres do World Trade Center tinham grande importância para sua família. Eles costumavam ir para lá e se deitar no chão, com os pés tocando a base de uma das torres, e olhar para a presença majestosa ao alto.
Ano após ano, Sasha não falou nada sobre o 11 de setembro. Então, em março deste ano, ele escreveu um "graphic novel" -foi um trabalho da escola, para o qual tinha que relatar um momento crucial em sua vida. Foi a história de seu 11 de setembro, desde as panquecas pela manhã e a aula de música até a calamidade e as lágrimas. E também seu momento de sexto sentido: na escola, ele teve a premonição de que algo terrível era iminente, envolvendo as torres. Olhou para elas e disse a seu pai: "Papai, alerta torres gêmeas! Alerta torres gêmeas!".
Ele achou que, quando desabafou suas recordações, estava finalmente enfrentando algo que criança nenhuma deveria ter sido obrigada a ver. O graphic novel lhe valeu uma nota alta. A classe ficou fascinada.
Sasha vem se saindo melhor em todas as frentes, ultimamente. A terapia o vem ajudando com seus muitos problemas. Seus remédios estão sendo reduzidos. O último ano escolar foi o melhor de sua vida. Ele quer ser neurocirurgião ou veterinário quando crescer. Ele nunca voltou ao Ponto Zero. Diz que talvez, quando a obra ficar pronta, ele vá até lá para ver como ficou.
No Marco Zero, muitas coisas estão acontecendo. Três mil operários por dia -o mesmo número que os mortos daquele dia- estão erguendo o que vai substituir os edifícios que desapareceram.
Turistas passavam ao lado, olhando pela cerca e vendo o aço brotar do meio da terra dos fantasmas.
Aquele dia foi dez anos atrás. Algum dia, será 20 anos atrás, 50 anos e cem anos atrás, mergulhando cada vez mais e mais longe na história.
O que significa o 11 de Setembro?
Sasha pediu para pensar um pouco antes de responder. Seu rosto ficou sério enquanto refletia profundamente. "Honestamente, não sei", disse. "Não consigo entender por que pessoas fizeram algo assim. Não sei o que dizer. É apenas tristeza. Nunca será mais que isso. Muita tristeza, muita, muita."


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