São Paulo, segunda-feira, 12 de outubro de 2009

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Irã aprende a burlar sanções


Se o Ocidente punir os iranianos, poderá beneficiar seus líderes impopulares


Por CHARLIE SAVAGE e MARK LANDLER
Washington

O presidente dos EUA, Barack Obama, prometeu, depois da reunião deste mês em Genebra, manter a pressão sobre o Irã por conta de seu programa nuclear, e seus assessores disseram que Washington está convocando outros países para unir-se em um embargo econômico mais firme contra Teerã, caso a diplomacia falhe.
Enquanto o foco para as sanções se intensifica, porém, uma revisão das experiências dos EUA na aplicação de suas antigas restrições comerciais ao Irã sugere que seria difícil colocar a economia iraniana em quarentena.
Redes de mercado negro surgiram por todo o mundo para burlar as sanções. Um típico esquema de violação de embargo foi revelado em um acordo em um tribunal federal em Washington em 24 de setembro, véspera do dia em que Obama e seus aliados europeus anunciaram a existência de uma instalação para enriquecimento de urânio até então não revelada, perto de Qom.
No processo legal, uma empresa de aviação holandesa e seu proprietário admitiram que canalizaram ilegalmente peças de aviões e eletrônicas americanas para o Irã de 2005 a 2007. Nesse esquema, os clientes iranianos secretamente faziam encomendas a uma empresa que servia de fachada. Esta comprava as peças e as mandava para Holanda, Chipre e Emirados Árabes Unidos. Os materiais eram então reembalados e enviados para os verdadeiros compradores no Irã.
No fim, a empresa holandesa foi apanhada. Mas a facilidade com que ela atuou até então ilustra um obstáculo-chave que os Estados Unidos enfrentam: mesmo que sejam superados os desafios diplomáticos para convencer os países com fortes relações econômicas com o Irã, como a China, a aprovar sanções, um embargo impenetrável é virtualmente impossível.
"Os iranianos já têm muita experiência em contornar as sanções", disse Michael Jacobson, especialista em inteligência e sanções do Instituto para Política do Oriente Médio, em Washington. "Eles são adaptáveis, aprendem com os erros, veem onde os EUA atacam e se movem para outro lugar. E por parte das empresas há muita vista grossa."
Em 1? de outubro, autoridades iranianas se reuniram em Genebra com representantes dos EUA e de outras potências mundiais. Nessa sessão, os iranianos prometeram permitir o acesso dos inspetores nucleares à sua instalação clandestina de enriquecimento e a embarcar a maior parte de seu urânio declarado fora do país para ser enriquecido pela França ou pela Rússia.
A reunião foi considerada um progresso, mas chamou mais a atenção dos diplomatas para o papel de possíveis novas sanções. Para fazer que o Irã cumpra suas promessas e impedir que rejeite as principais objeções ao seu programa nuclear, autoridades disseram que o Irã precisaria sentir uma ameaça verossímil de medidas punitivas.
"Se você não se colocar em uma posição onde possa atuar com pressão, terá menos probabilidade de que o compromisso funcione", disse um alto membro do governo americano, sob a condição de anonimato por causa da delicadeza da questão. "A chave é que os iranianos vejam os dois lados disso."
Os Estados Unidos se recusam a tirar quaisquer medidas da mesa, mesmo um embargo de gasolina e outros combustíveis. Os países europeus temem que essas medidas causem pobreza entre a população iraniana, levando-a para os braços de um governo impopular no Ocidente.
As sanções existentes tiveram algumas consequências práticas. Em Teerã, a energia é desligada regularmente devido à falta de geradores elétricos, que estão na lista de bens proibidos por causa de seu potencial uso militar. Isso não acontecia uma década atrás.
Mas a experiência dos EUA em policiar suas próprias sanções econômicas unilaterais -que foram impostas depois da crise dos reféns de 1979 e se expandiram várias vezes desde então- mostra que as restrições têm maior probabilidade de fazer aumentar os preços de produtos estrangeiros proibidos do que impedir que eles cheguem ao Irã. O mundo está cheio de países vilões e contrabandistas, e outros países podem não ter tanta disposição quanto os EUA a policiar rigorosamente as sanções.
A admissão de culpa da empresa aeronáutica holandesa, no final do mês passado, foi apenas a última de uma série de acusações contra centenas de acusados desde 2007, quando o governo Bush aumentou significativamente os esforços para aplicar as restrições comerciais americanas a países como o Irã.
Em processos somente no mês passado, os promotores acusaram os réus de enviar ilegalmente peças de aviões de combate para o Irã através da Colômbia, componentes eletrônicos através da Malásia e peças de helicóptero por Cingapura. Os intermediários acusados estavam em lugares como Irlanda e Hong Kong.
Sanções financeiras também foram violadas. Em janeiro, o banco londrino Lloyds TSB concordou em pagar US$ 350 milhões em multas porque havia ocultado o envolvimento de entidades de países que incluem o Irã em transferências com bancos dos EUA, por um período de 12 anos. Em 2006, os reguladores multaram o banco holandês ABN Amro por negócios semelhantes que infringiram as sanções entre 1997 e 2004.
Jacobson disse que mesmo sanções estritas, aplicadas com amplo apoio internacional, dificilmente isolariam um país tão grande e complexo quanto o Irã.
"É irreal esperar que se consiga isolar o Irã da economia internacional, mas a meta mais estreita e mais realista de aumentar os custos de seus negócios pode modificar os cálculos de seus líderes", disse.


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