São Paulo, segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Empresa tenta lidar com onda de suicídios

Por DAVID JOLLY
e MATTHEW SALTMARSH

PARIS - A onda recente de suicídios na empresa France Télécom trouxe à tona um paradoxo que está ao cerne da sociedade francesa: mesmo contando com proteções trabalhistas sólidas, os trabalhadores se sentem profundamente inseguros.
Uma imagem corrente fora da França é a de uma força de trabalho paparicada, protegida contra demissões por uma estabilidade de emprego quase hermética e favorecida por uma semana de trabalho de 35 horas. Segundo especialistas, sindicalistas e os próprios trabalhadores, porém, a realidade nem sempre corresponde ao retrato pintado.
Marie-France Hirigoyen, psiquiatra que apresentou trabalhos pioneiros sobre o "bullying" e as relações no local de trabalho, comentou: "Quando comecei como psiquiatra, 35 anos atrás, meus pacientes falavam de suas vidas pessoais. Agora, o assunto principal é o trabalho. As pessoas estão sofrendo em seus locais de trabalho. Desde a lógica da direção, elas não deveriam estar. Afinal, elas têm um bom emprego e gozam de férias agradáveis. Mas estão sofrendo."
Em termos estatísticos, os 24 suicídios de funcionários da France Télécom desde fevereiro de 2008 -oito dos quais desde o início do verão francês deste ano- não são extraordinários para uma empresa que emprega 102 mil pessoas na França.
A Organização Mundial de Saúde situa o índice de suicídios na França em 26,4 por cada 100 mil homens e 9,2 em cada 100 mil mulheres em 2005. Entre as grandes economias europeias, é o índice mais alto, mas ainda fica muito atrás do Japão.
Especialistas em saúde mental hesitam em atribuir um suicídio a qualquer causa isolada. Mas o que vem chamando a atenção do público e do governo francês é que muitos dos suicídios, além de mais de uma dúzia de tentativas de suicídio fracassadas, foram atribuídos por especialistas e autoridades trabalhistas a problemas relacionados ao trabalho.
"O estresse virou esporte nacional", disse Michel Marchet, secretário da divisão de bancários da Confederação Geral do Trabalho francesa. "Precisamos que os empregadores modifiquem a organização do trabalho, mas a impressão é que nada vai acontecer no futuro próximo."
Não obstante a lei que limita a carga horária semanal de trabalho a 35 horas, dados da UE mostram que os franceses trabalharam em média 41 horas por semana no ano passado, o que os situa em 13? lugar entre os 27 países do bloco (a Áustria, com 44 horas de trabalho semanais, foi a primeira colocada). A France Télécom ocupa uma posição incomum: apesar de ter sido parcialmente privatizada em 1997, 66% de seus empregados ainda são classificados como funcionários públicos e não podem ser demitidos. Mas mesmo esse nível de estabilidade no emprego pode gerar estresse.
A France Télécom está sendo obrigada a competir com empresas privadas em um mercado global em processo acelerado de transformação. Entre 2006 e 2008, a empresa cortou mais de 22 mil vagas de trabalho, por demissões voluntárias.
O líder sindical Sébastien Crozier estima que, nos últimos cinco anos, metade de todos os funcionários da France Télécom passou por mudanças de cargo na empresa, transferências de local de trabalho ou as duas coisas. Isso, diz ele, gerou um clima de transtorno e insegurança e a sensação de que os gerentes estão propositalmente pressionando funcionários a se demitirem.
A empresa prometeu congelar transferências de funcionários até o final do mês, criar um disque-ajuda anônimo e oferecer apoio psicológico adicional. Xavier Darcos, ministro francês do Emprego, disse que o problema do estresse no local de trabalho não se limita à França. Mas criticou a abordagem da France Télécom, dizendo que qualquer reorganização futura será "mais bem supervisionada".
Contudo, agregou, qualquer emprego, mesmo um estressante, é preferível ao ócio -e o índice de desemprego francês foi de 9,8% em julho. "Para nós, o desemprego é o fracasso absoluto", disse Darcos. "Preferimos ter pessoas que não se sintam inteiramente felizes no trabalho a ter pessoas desempregadas."


Texto Anterior: DINHEIRO & NEGÓCIOS
Para credores indianos, garantia em gramas

Próximo Texto: Ensaio - Alina Tugend: Paixão pelo trabalho? Bem, em alguns momentos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.