São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

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Mudam as palavras, ficam algumas políticas


"Ataque terrorista" virou "desastre causado pelo homem"


Por PETER BAKER

WASHINGTON - Quando, recentemente, o presidente dos EUA, Barack Obama, recebeu líderes do Congresso na Casa Branca para um briefing sobre seus planos para enviar mais soldados ao Afeganistão, o senador Harry Reid lhe ofereceu um conselho: não diga que o aumento de soldados é um "surge" (termo empregado pelo antecessor George W. Bush para designar o aumento do número de soldados americanos no Iraque).
Obama não o fez, nem o fará. A troca de ideias com Reid, confirmada por pessoas presentes, destacou a atenção voltada pelo novo governo à questão da linguagem. Obama e equipe estão fazendo questão de livrar-se do léxico de segurança nacional de Bush, mesmo que não necessariamente de tudo da política dele.
Eles podem estar enviando 21 mil soldados adicionais ao Afeganistão, mais ou menos como fez Bush com o Iraque, mas não se trata de um "surge". Podem ainda manter pessoas na prisão de Guantánamo, mas esses detentos não são mais "combatentes inimigos". Podem estar combatendo a Al Qaeda, como fizeram seus predecessores, mas não estão mais travando uma "guerra ao terror".
Se não é uma guerra ao terror, é o quê? "Operações de contingência no exterior." E os próprios ataques terroristas? São "desastres causados pelo homem". Cada Casa Branca escolhe com cuidado as palavras que emprega, usando linguagem testada em pesquisas e grupos de foco para emoldurar questões e ideias que promovam seus objetivos. A equipe de Bush o fez de modo assertivo.
A legislação inicial que ampliou o poder do governo após os ataques de 11 de Setembro foi batizada de USA Patriot Act. A espionagem sem autorização judicial que provocou tanta controvérsia ganhou o nome de Programa de Vigilância contra Terroristas. O inimigo foi batizado de "islamofascismo" por algum tempo, até que o termo foi considerado indelicado.
Obama chegou à Presidência determinado a varrer para longe esses termos, mesmo que esteja conservando boa parte da política subjacente a ele. Seus assessores argumentam que não estão tentando disfarçar suas prioridades com o uso de novos termos, e sim procurando eliminar o jargão disfarçador aplicado por Bush. Mas também querem transmitir que a velha ordem ficou para trás.
"É preciso dizer ao público que há um novo xerife na cidade, sem, entretanto, abrir as portas da cadeia e deixar que os presos saiam", explicou Matt Bennett, vice-presidente do grupo democrata moderado Third Way (terceira via).
De fato, apesar das mudanças de discurso, até agora Obama deixou intacta a maior parte da arquitetura de segurança nacional de Bush. Não tomou nenhuma iniciativa no sentido de rever a lei Patriot ou o programa de espionagem. Ordenou o fechamento de Guantánamo no prazo de um ano, mas ainda não definiu alternativa para abrigar os detentos perigosos.
Assessores de Obama dizem que não pretendem tirar a ênfase sobre o perigo do extremismo, mas querem desvincular a política disso. Para alguns críticos, o risco é dar a impressão de que o governo não está mais levando a sério os perigos do mundo. "Um ou dois eufemismos orwellianos não vão modificar o fato de que pessoas querem nos matar e destruir como povo livre", disse Shannen W. Coffin, que foi advogada do vice-presidente Dick Cheney.
O governo rejeita essas críticas, dizendo que o presidente não está procurando apresentar a política nacional numa nova linguagem. O secretário de imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, disse a jornalistas recentemente que Obama "está menos preocupado com" a linguagem "e muito mais preocupado com as medidas que tomou e que, nós, como país, precisamos tomar para proteger nossos cidadãos e manter nosso país em segurança".


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