São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

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LENTE

Combate à distância

Nossos ancestrais precisavam olhar nos olhos dos inimigos antes de abatê-los a pauladas nas brutais disputas por território. Até que algum estrategista concluísse que poderia atirar pedras de um lugar alto.
E desde então a guerra -seja com flechas, artilharia ou aviões- tem ficado cada vez mais distante e impessoal. Isso nunca foi mais verdade do que na atual era da robótica, dos satélites e dos mísseis "cirúrgicos".
Mas, conforme os atos de guerra se tornam mais remotos e aparentemente menos arriscados, acumulam-se consequências imprevistas para os perpetradores da guerra à distância.
Veja os atuais aviões não tripulados, operados em postos de comando a meio mundo de distância, nos território dos EUA. Invisíveis, sobrevoam o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão, vigiando seus alvos por vídeo até o comando para disparar.
Mark Mazzetti, do "New York Times", escreveu que os comandantes militares acham que os aviões-robôs enfraqueceram fortemente a liderança da Al Qaeda no Paquistão, sem colocar um só soldado dos EUA em risco. Mas não é tão simples.
Alguns especialistas, relatou Mazzetti, agora temem que a guerra com robôs possa "promover a psicologia da militância antiamericana, que está gerando metástases" na região.
O especialista em guerras robóticas P.W. Singer disse a Mazzetti que o uso de aviões não tripulados é visto no mundo islâmico como sinal de covardia. "Se a coragem é a moeda corrente, a coragem é o que prova às tribos pashtun locais que você é aliado delas", afirmou.
E há também o fato de que os ataques dos aviões-robôs podem provocar ira no solo. Mesmo os ataques "cirúrgicos" costumam matar inocentes, escreveu Mazzetti, e quando isso acontece os sobreviventes buscam vingança.
Em outra reportagem do "New York Times", Singer disse a Christopher Drew que, quando os combatentes de um lado estão tão alienados da carnificina, há o risco de que os comandantes se tornem "mais indiferentes" com relação à força empregada.
Mas, mesmo quando o combate é travado a partir da segurança de Nevada ou do Arizona, ele pode ter um saldo psicológico. Oficiais da Força Aérea disseram a Drew que alguns operadores de aviões teleguiados evitam assistir aos ataques em vídeo.
Quando encerram sua jornada de trabalho, "pode ser difícil a transição entre ser um guerreiro na tela do computador para jantar em casa ou ir ao jogo de futebol dos filhos", escreveu Drew.
Os guerreiros do futuro podem não ser sobrecarregados por quaisquer emoções. Cornelia Dean, do "New York Times", escreveu que as máquinas feitas para o combate em terra poderiam ser programadas não só para matar, mas também para tomar decisões éticas. Sem a mente turvada pela vingança ou o medo, um soldado-robô seria incapaz de violar a Convenção de Genebra, teorizam alguns cientistas.
Mas, mesmo sendo "ética" ou "cirúrgica", será que a guerra algum dia poderá ser desligada dos seus brutais primórdios? Como disse certa vez Albert Einstein: "Não sei que tipo de arma será usada na Terceira Guerra Mundial (..), mas posso dizer com que a Quarta Guerra será travada -com paus e pedras".

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