São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

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Recuo da China afeta economias da África

Por LYDIA POLGREEN

CONACRI, Guiné - Trabalhadores chineses e guineanos suam lado a lado em um canteiro de obras sob o sol intenso na borda desta cidade decrépita, construindo o último símbolo de uma velha e sólida aliança: um estádio de 50 mil lugares e R$ 110 milhões. A cidade está repleta dessas amostras de uma amizade que floresceu no final da década de 1950, quando a Guiné era um país socialista isolado e em dificuldades.
Mas até agora a Guiné não conseguiu o que realmente quer da economia de mais rápido crescimento no mundo: um acordo de muitos bilhões de dólares para construir a infraestrutura que necessita, em troca de acesso às vastas reservas de bauxita e minério de ferro do empobrecido país.
Enquanto os preços globais das matérias-primas despencaram e vários parceiros africanos da China mergulharam em um caos ainda maior, os chineses recuaram de alguns projetos mais arriscados e agressivos, procurando as mesmas garantias que as empresas ocidentais sempre quiseram para seus investimentos: estabilidade econômica e política.
"A situação política não é muito estável", disse Huo Zhengde, embaixador chinês em Conacri, explicando a hesitação de seu país em investir bilhões na Guiné, onde uma junta tomou o poder depois da morte do antigo presidente, em dezembro. "Os mercados internacionais não estão favoráveis."
Apenas um ano atrás, a China parecia estar revertendo a ordem de décadas na África, entrando no vazio deixado pelas grandes companhias ocidentais, tímidas demais para investir nos frágeis países do continente, embora ricos em recursos, enquanto o mercado de cobre, latão, petróleo e madeira atingiam novas alturas. Hoje a busca chinesa por matérias-primas não parou. As empresas estatais procuram barganhas por cobre e ferro em lugares mais estáveis como Zâmbia e Libéria. Mas atualmente essas empresas fazem mais exigências e evitam alguns lugares mais caóticos do continente.
"Vimos, no passado recente, empresas chinesas entrarem em países que ninguém queria", disse Philippe de Pontet, analista do Eurasia Group, companhia privada de pesquisas. "Isso pode estar mudando." Em 2007, a China anunciou um acordo de US$ 9 bilhões com o Congo para ter acesso a suas gigantescas jazidas de cobre, cobalto, latão e ouro, em troca do desenvolvimento das estradas, escolas, barragens e ferrovias necessárias para reconstruir um país aproximadamente do tamanho da Europa Ocidental e destruído por mais de uma década de guerra.
Mas esse acordo hoje está em suspenso, pois a queda dos preços deixou o Congo em uma posição de negociação muito mais fraca. O torvelinho político e econômico do país continua profundo, e sua economia está quase em colapso. Um ano atrás esses fatores pareciam irrelevantes. A China adotou um novo modelo para o investimento africano: o comércio mutuamente benéfico entre países soberanos, sem a interferência tão comum entre doadores e investidores ocidentais, com suas exigências de padrões trabalhistas e ambientais, assim como o respeito à democracia e aos direitos humanos.
Essas políticas se mostraram populares entre os governos africanos, e o comércio entre a África e a China cresceu de menos de US$ 10 milhões nos anos 1980 para mais de US$ 100 bilhões em 2008. Líderes africanos falaram abertamente sobre a oferta da China de uma alternativa para as exigências de instituições controladas pelo Ocidente, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Mas na Guiné, que tem um dos maiores depósitos mundiais de bauxita (minério necessário para fabricar alumínio), essa esperança praticamente desmoronou. "Os chineses mudaram de estratégia", disse Ibrahima Sory Diallo, economista do Ministério das Finanças da Guiné e defensora dos investimentos chineses. "Eles não vão injetar US$ 5 bilhões em uma economia instável em um clima de mercado incerto."
Os guineanos estão cada vez mais desconfiados do investimento chinês. Hamidou Condé trabalha cavando um buraco para a fundação de um novo hospital em construção por uma empresa chinesa. Condé, 35, que tem duas mulheres e quatro filhos, disse que ainda não recebeu pagamento dos capatazes chineses. "Trabalhamos como escravos", disse. "Não somos pagos. Os chineses não trazem nada de bom para a Guiné."


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