São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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Iraquianos têm prejuízo com saída dos EUA


Alguns iraquianos lucraram com a invasão americana

Por JACK HEALY

Qahtan Kareem é um empresário cujo negócio principal -os EUA- está indo embora. Ele fez fortuna comprando e revendendo sucata e materiais excedentes de bases militares. Agora, enquanto os americanos saem do Iraque, está pessimista quanto ao futuro da empresa e dos 430 funcionários.
"Vai ser um desastre", disse Kareem, sentado em um escritório em cujas paredes se enfileiram fotos emolduradas dele com oficiais americanos. "Não há trabalho fora dos campos americanos."
Embora as consequências políticas e de segurança da retirada americana precisem ser plenamente resolvidas, os efeitos econômicos já se fizeram sentir sobre milhares de iraquianos que ganham a vida trabalhando para os militares e para as companhias contratadas americanas, civis e de defesa, que atuam no país.
Hoje, esses iraquianos estão presos entre dois mundos -lutando para encontrar trabalho novo em um país onde cerca de uma em cada quatro pessoas está desempregada e desprezados por aqueles que consideram que trabalhar para ocidentais é uma traição. "Fomos deixados para trás", disse Sayf Alaa Kamel, 22, que contou que deixou a escola para trabalhar como pintor para uma empresa contratada americana, mas perdeu o emprego neste ano.
O número de iraquianos empregados pelas forças americanas caiu de 44 mil em janeiro de 2009, antes de os EUA começarem a reduzir suas forças, para pouco mais de 10 mil hoje, segundo cifras das Forças Armadas. O número de destinatários de assistência e de firmas financiadas pelos EUA que trabalham sob contrato para as forças americanas caiu 22% apenas durante o verão, segundo relatório do inspetor-geral especial da reconstrução do Iraque.
Demissões e deslocamentos econômicos são consequências do recuo de guerras, e os efeitos negativos que eles estão exercendo sobre Tikrit, cidade de clima quente situada a 160 quilômetros ao norte de Bagdá e conhecida principalmente como sendo a cidade de Saddam Hussein, se espelham em graus diversos em cidades maiores e menores de todo o país. O alto índice de desemprego, especialmente entre os homens jovens que constituem os alvos favoritos de recrutamento dos insurgentes, cria um risco de segurança que ameaça desfazer ganhos conquistados com grande esforço.
Kareem pretende fechar dois dos seus cinco ferros-velhos, um nas cercanias de Bagdá e outro na província de Anbar, no oeste, o que fará com que 120 pessoas percam seus empregos. Ele espera construir um centro de reciclagem de US$ 4 milhões perto de Tikrit, mas não sabe ao certo quando o centro entrará em funcionamento.
"Não sabemos o que o futuro nos reserva", disse. "Nosso negócio vai fechar. Nossos funcionários ficarão desempregados. Vão voltar para onde começaram, e terroristas vão ver e se aproveitar disso."
Em Bagdá, os proprietários da empresa Zanubia de transportes disseram que houve época em que levavam 55 motoristas, engenheiros, eletricistas, guardas de segurança e outros funcionários para transportar suprimentos para empresas que trabalhavam sob contrato com o Corpo de Engenheiros do Exército e com as Nações Unidas. Motoristas foram baleados e sequestrados, e os donos da empresa receberam ameaças de morte. Mas o dinheiro entrava regularmente. Em seu auge, período definido como "a era de ouro" por um dos proprietários, a Zanubia tinha contratos no valor de cerca de US$ 1 milhão por mês. Os negócios caíram para cerca de US$ 20 mil mensais.
Na vila de Asakr, 160 quilômetros ao norte de Bagdá, um campo militar americano mudou a sorte da cidade e da sua população.
Ismail Esam Mohadeen, 26, estava sentado em sua sala, cercado por um televisor, um conjunto de xícaras de chá com detalhes dourados, um armário e bichos de pelúcia dos seus filhos. "Isto veio do trabalho que fiz", disse Mohadeen, ex-faxineiro e empregado de empresas contratantes americanas.
A população total da base caiu em mais da metade, para 4.000 pessoas, segundo oficiais militares, e seus ex-funcionários enfrentam sentimentos conflitantes de gratidão, nostalgia e frustração.
Mohamed Jabar, 24, que perdeu seu emprego de motorista de um sobcontratante iraquiano, pelo qual recebia US$ 800 mensais, está entre os que procuram apagar o estigma do trabalho anterior.
Natural da província sunita de Diyala, Jabar disse que insurgentes o ameaçaram e interrogaram seus vizinhos sobre seus empregadores, levando-o a abandonar a casa que dividia com sua mãe. Mas, depois de ficar desempregado, ele retornou para pedir perdão aos militantes locais e suplicar que seu nome fosse apagado de suas listas de alvos. Disse que prometeu aos militantes que não terá mais relações com americanos.
"Passei por aquele perigo e arrisquei a vida", contou. "Não valeu a pena, mas qual era a alternativa? Ganhei um pouco de dinheiro. A vida tem que continuar."


Com reportagem de Yasir Ghazi em Tikrit e de um funcionário iraquiano do jornal "New York Times" em Kirkuk



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