São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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Livre comércio ameaça modo de vida no Japão

FOTOGRAFIAS DE HIROKO TABUCHI PARA O NEW YORK TIMES
Kono planta arroz, trigo, feijão vermelho e repolho no Japão, mas não vê futuro para sua fazenda se ele perder a proteção tarifária

Por HIROKO TABUCHI

IWAMIZAWA, Japão - Atsushi Kono a considera a mais séria ameaça à fazenda de sua família em um século de cultivo de arroz: uma iniciativa de livre comércio que poderá derrubar as tarifas protecionistas do Japão, abrindo o país para produtos estrangeiros baratos.
Em uma medida que coloca os agricultores japoneses contra as indústrias de exportação do país, o primeiro-ministro Naoto Kan está pressionando para que as negociações sejam iniciadas sobre uma zona de livre comércio apoiada pelos Estados Unidos, chamada Parceria Transpacífica, que abrangeria toda a Borda do Pacífico.
A nova zona daria aos exportadores japoneses de carros, televisores e outros produtos manufaturados maior acesso aos Estados Unidos e outros mercados. Mas um acordo comercial poderia desmantelar as generosas proteções que sustentam as fazendas japonesas há anos -mais notadamente, a tarifa de 777,7% sobre o arroz importado.
O livre comércio estava no topo da agenda das reuniões consecutivas de cúpula do Grupo dos 20 e do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico no mês passado na Coreia do Sul e no Japão, das quais participaram líderes como o presidente Obama e Kan.
"O Japão está decidido a se abrir mais ativamente para o mundo", disse Kan na reunião do G20 em Seul, Coreia do Sul. Enquanto isso, os ministros do Comércio da Borda do Pacífico em Yokohama, Japão, prometeram tomar medidas para criar uma vasta área de livre comércio que envolveria mais da metade da produção econômica mundial.
Mas a indústria agrícola do Japão, politicamente poderosa, não está contente. O Ministério da Agricultura adverte que, se o Japão entrasse na zona comercial proposta, 90% dos cultivos de arroz do país desapareceriam, e a produção de trigo, açúcar, laticínios e carne também seria afetada negativamente -custando ao país cerca de 4 milhões de ienes ou US$ 49 bilhões, em produção cessante e 3,4 milhões de empregos perdidos.
"Este é o fim do caminho para minha fazenda", disse Kono, 60, que planta arroz, trigo, feijão vermelho e repolho em sete hectares em Iwamizawa, em Hokkaido, a ilha principal do Japão, no norte. "Comunidades agrícolas de todo o país serão arruinadas", acrescentou Mamoru Moteki, que dirige uma organização guarda-chuva de cooperativas agrícolas japonesas. "Precisamos evitar isso por todos os meios."
Kan está ansioso para que o Japão entre nas negociações da parceria comercial do Pacífico, que pretende remover todas as tarifas entre seus membros. Embora as negociações preliminares envolvam apenas nove países, incluindo Estados Unidos e Singapura, o plano faria parte da construção de uma zona de livre comércio mais ampla, pan-pacífica. Espera-se que haja um acordo até novembro próximo.
O lobby empresarial japonês apoiou totalmente a iniciativa, dizendo que ajudará os exportadores, como fabricantes de automóveis e de eletrônicos, na recuperação da margem competitiva. Os exportadores foram especialmente veementes enquanto suas receitas no exterior sofriam com o iene forte, o que torna os produtos japoneses mais caros e corrói o rendimento.
Embora o Japão tenha negociado acordos de livre comércio com um punhado de parceiros comerciais menores, Tóquio sempre insistiu que produtos agrícolas como arroz e laticínios ficassem isentos de reduções tarifárias. Além das tarifas do arroz, o Japão impõe taxas de 252% sobre o trigo importado, 360% à manteiga, 328% ao açúcar e 38,5% à carne.
Em parte como resultado dessa posição rígida, Tóquio ainda não concluiu acordos de livre comércio com a China, os Estados Unidos ou a União Europeia, que são seus principais mercados de exportação -um grande obstáculo para conquistar participação de mercado, afirmam os exportadores.
Ficar fora de um bloco comercial pan-asiático cortaria pelo menos 1,5% ou 10,5 trilhões de ienes (US$ 128 bilhões) do Produto Interno Bruto do Japão e eliminaria 8 milhões de empregos, segundo uma estimativa recente do Ministério do Comércio japonês. Os exportadores ameaçaram mudar mais fábricas do Japão para outros países para contornar as tarifas e o iene forte.
"Para sermos globalmente competitivos, precisamos jogar pelas mesmas regras", diz Osamu Suzuki, executivo-chefe da Suzuki Motor.

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