São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

No exemplo turco, um mapa para o Egito

"A Turquia é a inveja do mundo árabe", diz analista

Por LANDON THOMAS Jr.

Encontrar um modelo que integre efetivamente o islamismo, a democracia e uma economia vibrante tem sido um sonho quase impossível para os reformistas do Oriente Médio há muitas décadas.
Em grande medida, a incapacidade do Egito de acomodar todas essas questões está na origem de suas atuais dificuldades.
Mas nenhum país da região chegou mais perto de realizar esse truque do que a Turquia.
Em consequência, diplomatas e analistas começam a apresentar a experiência turca, ainda incompleta, como um possível mapa do caminho para o Egito.
"A Turquia é a inveja do mundo árabe", disse Hugh Pope, diretor de projeto para o departamento turco do Grupo da Crise Internacional.
"Ela avançou para uma democracia robusta, tem um líder eleito genuinamente que parece falar pela população, tem produtos que são populares do Afeganistão ao Marrocos -incluindo dezenas de novelas dubladas em árabe que estão nos televisores de todo lugar -e uma economia que vale cerca da metade de todo o mundo árabe somado."
O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, um islâmico moderado, parece caminhar para sua terceira vitória eleitoral, depois de neutralizar um poderoso aparelho militar há muito considerado o guardião do secularismo no país (as eleições deverão ocorrer em junho).
Mas nem sempre foi assim.
De fato, quando Hosni Mubarak chegou ao poder no Egito, em outubro de 1981, depois do assassinato do presidente Anuar el Sadat, a Turquia ainda era governada por seu Exército que, um ano antes, havia intervido para impor uma aparência de ordem no fraturado cenário político do país.
Mas enquanto Mubarak, ele mesmo um militar, apostou no regime autoritário, o general por trás do golpe turco, Kenan Evren, se retirou da política.
A Constituição que ele impôs deixou para os militares um âmbito considerável para intermediar os assuntos políticos, mas permitiu o florescimento das instituições civis. Na frente econômica, o Egito manteve o controle do Estado, com muitas restrições ao comércio e à concorrência interna.
Em comparação, a Turquia, que espera entrar para a União Europeia, abriu sua economia e deslanchou um dinâmico setor privado.
Hoje, com populações de tamanho semelhante -cerca de 80 milhões-, a Turquia tem uma economia quase quatro vezes maior que a egípcia.
Seu recente surto de crescimento foi conduzido por Erdogan, que chegou ao poder em 2003 e se concentrou primeiramente em reduzir os deficits e derrubar a inflação. Somente depois de demonstrar o sucesso na elevação dos padrões de vida, ele se sentiu confiante o suficiente para superar a oposição do Exército e da elite cosmopolita de Istambul, decididamente seculares, introduzindo elementos do islã na vida pública turca.
Foi recompensado por um amplo apoio popular em seu país -demonstrado em setembro quando Erdogan ganhou com facilidade um referendo que diluiu ainda mais os poderes militares -e a crescente influência no exterior. Em reação à crise egípcia, o presidente Barack Obama telefonou para o primeiro-ministro Erdogan duas vezes em seis dias.
"Não há dúvida de que a Turquia pode ter um papel", disse um membro do governo americano. A autoridade, falando sob anonimato, notou que Erdogan e líderes turcos haviam pedido publicamente que Mubarak escutasse o que os manifestantes diziam nas ruas do Cairo. A capacidade da Turquia de prosperar como um país predominantemente muçulmano que mantém relações diplomáticas -embora frias- com Israel é algo que as autoridades americanas gostariam de ver em outros países muçulmanos. Mas também é verdade que medidas tomadas pelo governo Erdogan contra a mídia turca foram motivo de certa preocupação.
Com os militares egípcios possivelmente servindo de garantia política em qualquer transição do regime Mubarak, analistas sugerem que a Turquia poderia servir de modelo para introduzir novos partidos políticos, escrever uma Constituição e afinal afastar-se e deixar o processo democrático se desenrolar -tudo o que os militares turcos fizeram desde o golpe de 1980. "Os militares não abusaram de seu poder na Turquia", disse Soner Cagaptay, um analista do Instituto para Política do Oriente Próximo, em Washington.
Cagaptay também disse que, apesar de Erdogan ter feito ganhos ao impor sua agenda islâmica, os militares serviram como uma contenção eficaz.
Mas, apesar de todas as simpatias islâmicas, Erdogan é, no fundo, um pragmático.
Quando jovem, ele foi preso por sua retórica antissecular, mas hoje, depois de trabalhar no quadro democrático da Turquia, e não fora dele, é reconhecido como talvez a figura mais influente do Oriente Médio.

Colaborou Helene Cooper, de Washington


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