São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2011

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Trabalho para um advogado robô

Até profissões de ponta estão automatizadas

Por JOHN MARKOFF

Quando cinco estúdios de TV se viram envolvidos em um processo antitruste movido contra a rede CBS, o custo foi imenso. Como parte da obscura tarefa de "descoberta" de provas, os estúdios examinaram 6 milhões de documentos, a um custo superior a US$ 2,2 milhões, grande parte dos quais pagos a um pelotão de advogados e técnicos jurídicos. Mas isso foi em 1978. Hoje em dia, um software de "e-descoberta" é capaz de analisar documentos em uma fração do tempo por uma fração do custo. Em janeiro, a Blackstone Discovery, de Palo Alto, na Califórnia, ajudou a analisar 1,5 milhão de documentos por menos de US$ 100 mil.
Alguns programas vão além da localização de documentos com termos relevantes a velocidades cibernéticas. Eles conseguem extrair conceitos relevantes mesmo na ausência de termos específicos e deduzem padrões de comportamento que poderiam escapar aos advogados.
"Do ponto de vista do pessoal jurídico, isso significa que muita gente antes encarregada de conduzir a avaliação de documentos não pode mais ser incluída na conta", disse Bill Herr, que foi advogado de uma grande empresa química.
Os computadores estão ficando melhores em imitar o raciocínio humano e pegando trabalhos outrora feitos por profissionais de alta remuneração. O número de projetistas de chips de computador, por exemplo, praticamente se estagnou porque poderosos softwares substituíram o trabalho antes feito por uma legião de programadores.
A informatização também está chegando a profissões que exigem decisões -exclusividade humana antigamente-, como agentes de crédito e contadores tributários.
"As pessoas se entediam, as pessoas têm dor de cabeça", disse Herr. "Os computadores, não."
Essas novas formas de automação renovaram o debate sobre as consequências econômicas da tecnologia.
David Autor, professor de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), diz que a economia dos EUA está sendo "esvaziada".
Novos empregos, afirmou, estão aparecendo na base da pirâmide econômica, os empregos no meio estão sendo perdidos para a automação e a exportação de vagas, e, agora, o crescimento das vagas no topo está se desacelerando devido à automação.
"O impacto econômico será enorme", disse Tom Mitchell, diretor do departamento de aprendizado com máquinas da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh. "Estamos no início de um período de dez anos em que transitaremos dos computadores que não conseguem entender a linguagem para um ponto em que os computadores conseguirão entender bastante coisa da linguagem."
As tecnologias mais básicas de "e-descoberta" usam a busca por palavras específicas para localizar e classificar documentos pertinentes. Programas mais avançados filtram os documentos numa grande teia de definições. Um software que adote uma abordagem sociológica pode imitar os poderes dedutivos de Sherlock Holmes.
A empresa Cataphora, do Vale do Silício, coloca seu software para procurar "anomalias digitais" que criminosos do colarinho branco criam na tentativa de esconder suas atividades.
O software pode, por exemplo, encontrar os momentos "me liga" -quando um empregado decide ter uma conversa particular para esconder determinada ação.
"É um meio de mostrar quem vazou a informação, quem é influente na organização, ou quando um documento delicado como uma declaração à SEC está sendo editada um número incomum de vezes, ou com um número incomum de maneiras, por um tipo ou número incomum de pessoas", disse Elizabeth Charnock, fundadora da Cataphora.
O software também pode detectar mudanças sutis no estilo dos e-mails. "Você tende a dividir muito menos os infinitivos [uma construção do inglês considerada deselegante] quando acha que o FBI pode estar lendo seus e-mails", disse Steve Roberts, diretor de tecnologia da Cataphora.
Essas ferramentas têm uma dívida com uma fonte improvável, mas apropriada: o banco de dados de correio eletrônico conhecido como o Corpus Enron.
Em outubro de 2003, Andrew McCallum, cientista da computação da Universidade de Massachusetts, em Amherst, leu que o governo federal tinha uma coleção de mais de 5 milhões de mensagens relacionadas ao processo contra a Enron. Ele adquiriu uma cópia do banco de dados por US$ 10 mil e a disponibilizou gratuitamente a pesquisadores acadêmicos e corporativos.
Desde então, isso se tornou a base de uma nova ciência -e seu valor se mantém, já que questões de privacidade, geralmente, impedem o acesso a grandes coleções de e-mails. O Corpus Enron levou a uma melhor compreensão sobre o uso da linguagem e o funcionamento das redes sociais.
Mas alguns especialistas veem limites nessa tecnologia.
"Os documentos que o processo libera ainda precisam ser lidos por alguém", afirmou Herbert Roitblat, da consultoria OrcaTec, de Atlanta.
Quantificar o impacto desses programas sobre os empregos é difícil. Mike Lynch, criador da Autonomy, uma empresa britânica de "e-descoberta", avalia que, com a substituição da pesquisa manual pela digital, bastará um advogado para fazer um trabalho que antes exigiria 500; o contingente pode ser reduzido em mais 50% com uma nova geração de softwares capazes de detectar duplicatas e encontrar grupos de documentos importantes sobre determinado tópico.
Os computadores parecem bons nos seus novos empregos. Herr usou um software de "e-descoberta" para reanalisar trabalhos feitos por advogados do seu escritório nas décadas de 1980 e 90.
Descobriu que a precisão dos humanos era de apenas 60%. "Pense em quanto dinheiro foi gasto para que fosse apenas pouco melhor que um cara ou coroa."


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