São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2011

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EUA bancam os militares egípcios

Jatos de luxo do Pentágono eram um símbolo dos excessos de Hosni Mubarak

Por ARAM ROSTON e DAVID ROHDE

Enquanto os generais egípcios conduzem o país em direção a um novo governo civil, após a queda do ditador Hosni Mubarak, perguntas sobre o programa de ajuda militar dos EUA ecoam uma dúvida mais ampla: será que as forças militares, uma organização com fins lucrativos e profundamente investida em um sistema que lhe conferia grande poder econômico e político, vão se dispor a abrir mão do poder?
Alguns especialistas dizem que o programa de ajuda dos EUA -que, desde sua origem, como parte do acordo de Camp David assinado por Israel e Egito em 1979, repassou aproximadamente US$ 40 bilhões aos militares egípcios- vem apoiando uma burocracia militar que tende à corrupção e às negociações com informações privilegiadas.
"Será um problema muito grande no futuro próximo, estou certo disso, o fato de os generais, o Conselho Militar Supremo, constituírem um governo separado "de facto", dotado de economia própria", opinou Christopher Davidson, especialista em Egito e professor da Universidade Durham, do Reino Unido.
Apenas uma pequena parcela do dinheiro é enviado aos militares egípcios. O Pentágono paga diretamente às empresas americanas que escolheu para manufaturar e transportar tanques, aviões, armas e munições ao Egito.
Grupos oposicionistas egípcios dizem que Mubarak e generais de alto escalão puderam desviar dinheiro. Mas as autoridades americanas insistem que o programa, conhecido como Vendas Militares ao Exterior, garante que seja impossível desviar fundos.
Mesmo assim, vários ex-funcionários militares americanos disseram que, em muitos momentos, a preocupação de manter a ajuda fluindo pareceu ganhar prioridade sobre a eficácia da ajuda. Os US$ 1,3 bilhão que os militares egípcios recebem anualmente são vistos como "um direito garantido", explicou um coronel da reserva.
Um exemplo dessa ajuda é uma frota de jatos Gulfstream. O coronel aposentado, que trabalhou no Escritório de Cooperação Militar da Embaixada dos EUA no Cairo, disse que "era óbvio para nós" que os jatos seriam usados para transportar autoridades civis.
Ele recordou que alguns oficiais tentaram bloquear a transação, mas que "nossos contatos no Ministério da Defesa estavam fazendo pressão" para garantir que a venda se efetivasse.
Os militares egípcios de fato usaram os aparelhos Gulfstream para transportar seus dignitários, e os jatos de luxo tornaram-se um símbolo popular dos excessos do governo Mubarak. O Pentágono continua a pagar US$ 10 milhões por ano para a manutenção dos nove aviões.
Autoridades militares egípcias se negaram a dar declarações para este artigo.
A frota já custou US$ 333 milhões aos contribuintes americanos, disseram autoridades. O Departamento de Estado dos EUA, ao qual cabe a jurisdição do programa, disse que a ajuda era "crítica para assegurar a continuidade do papel do Egito como líder regional capaz de atuar como moderador".
O general Michael Collings, oficial aposentado da Força Aérea que foi o representante militar de mais alto escalão dos EUA no Egito entre 2006 e 2008, foi representante sênior da Defesa na embaixada americana e chefe do Escritório de Cooperação Militar.
Ele disse que os americanos não conseguiam rastrear o destino do dinheiro no braço com fins lucrativos das Forças Armadas egípcias -um conglomerado que opera fábricas, fazendas e empresas de alta tecnologia. Embora tenha insistido que nenhum dinheiro de assistência americana foi roubado, afirmou que havia corrupção endêmica. Altos funcionários militares egípcios lhe contaram sobre um esquema de corrupção no qual Mubarak entregava dinheiro vivo a generais de alto escalão. "Havia um processo sistemático."
As Forças Armadas egípcias também ganham outros milhões com um exercício militar conjunto realizado no Egito a cada dois anos. Em algo que o general Collings descreveu como um arranjo incomum, cada item usado nos exercícios é alugado. Em alguns casos, produtos militares e artigos para fins lucrativos são fabricados em um único complexo pertencente às Forças Armadas. As Forças Armadas têm uma joint venture com a Chrysler para a produção de jipes: o jipe civil Wrangler, vendido em todo o Oriente Médio, e um Wrangler usado pelo Exército egípcio.
Springborg disse que é cético quanto à possibilidade de os egípcios separarem a produção de artigos civis e militares. E o general Collings diz que a produção do tanque M1A1 Abrams, para a qual o Pentágono paga à General Dynamics para enviar kits de tanques ao Egito, "é importante tanto para gerar empregos quanto pela compra de hardware militar".
Fora do Cairo, o Centro Médico Internacional ergue-se no meio do deserto. A finalidade original era dar atendimento a soldados egípcios. Mas não demorou a ficar claro que era empreendimento comercial; seu site divulga "uma Suíte Real luxuosamente mobiliada" para pacientes internacionais.
Um médico americano que já trabalhou ali, Wayne F. Yakes, recorda o que seus anfitriões lhe disseram sobre o hospital: "Foi construído com dólares dos contribuintes americanos sob a Presidência de Bill Clinton". Em outras palavras, disse Yakes, "nós o compramos para eles".

Com reportagem de Neil MacFarquhar no Cairo


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