São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009

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Identidade islâmica é disputada em Gaza

Abed Rahim Khatib/European Pressphoto Agency
O grupo extremista Guerreiros de Deus dominou uma mesquita em Gaza em agosto, até tropas do Hamas invadirem o local

Por TAGHREED EL KHODARY e ETHAN BRONNER

GAZA — Um conflito agudo está emergindo no interior do movimento Hamas, que governa o território palestino de Gaza, em relação à natureza e extensão de sua identidade islâmica. Guardiões da moralidade religiosa, alguns agindo por iniciativa própria e outros, integrantes do governo, vêm procurando impor suas posições.
O primeiro escalão do governo tem repelido essas iniciativas, mas não se sabe até quando o fará.
O caso mais ameaçador aconteceu em agosto, quando o grupo radical Guerreiros de Deus tomou uma mesquita em Rafah, sul de Gaza, e, dizendo que o Hamas é impuro e colaboracionista, declarou em vigor a rígida lei islâmica.
Forças do Hamas cercaram a mesquita e, após um tiroteio, mataram cerca de 25 pessoas, incluindo o líder do grupo, e prenderam outras 155. Agora, o Ministério do Interior está monitorando mesquitas e promovendo palestras contra o extremismo muçulmano.
Outros casos não envolvem violência, mas muita coerção. Recentemente, o presidente do Supremo Tribunal decretou que as advogadas precisam usar o hijab, ou véu na cabeça, quando estão na corte. Um comitê criado pelo Ministério dos Assuntos Religiosos enviou homens para percorrer as praias e ordenar aos banhistas que se cobrissem e não se tocassem em público. E várias professoras de colégios femininos mandaram suas alunas vestirem casacos longos e hijab, em lugar das saias jeans dos últimos anos.
Essas normas já foram revogadas. Khalil al Hayya, líder político sênior do Hamas, disse: “Nem o governo nem o Hamas tomaram decisões relativas a essas ordens. Somos um movimento de resistência islâmica que jamais obrigará ninguém contra sua vontade. A melhor tática é dar conselhos”.
O psiquiatra e observador Iyad el Serraj disse que Gaza é religiosa e socialmente conservadora há muito tempo, e mais ainda hoje. Mesmo sem ordens superiores, a grande maioria das mulheres usa os trajes modestos impostos pela religião, e cada vez mais homens são barbados. Não são vendidas bebidas alcoólicas.
Serraj atribui a mudança a vários fatores além do fato de tais expressões externas de identidade serem cada vez mais comuns em todo o Oriente Médio muçulmano. O Hamas, ele observou, está no poder há mais de dois anos. Os ocupantes de cargos de médio escalão e aqueles que aspiram a esses cargos querem ser notados.
Em segundo lugar, disse o psiquiatra, com a economia completamente paralisada em função do bloqueio de Israel, há poucos horizontes de desenvolvimento, o que dá ao fundamentalismo campo fértil para crescer.
Apesar de ser favorável à lei e ao comportamento islâmicos, porém, o Hamas tem razões para evitá-los. Sua rival, a Autoridade Palestina (liderada pelo Fatah), na Cisjordânia, aproveita qualquer indício de imposição da lei religiosa como evidência de que o Hamas não seria capaz de liderar um governo responsável. O Hamas já é considerado organização terrorista por EUA, União Europeia e Israel e busca legitimidade internacional.
Ele rejeita o direito de Israel de existir, mas seus líderes já disseram que, se Israel deixasse todos os territórios tomados na guerra de 1967, o Hamas poderia aceitar um Estado palestino limitado à Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental.
Um líder da linha-dura em Gaza disse que o Hamas se ilude se pensa que a moderação pode dar-lhe aceitação internacional. Falando sob a condição de anonimato, disse: “O mundo nunca nos reconhecerá”. Acrescentou que a imposição da lei religiosa “talvez o assuste e o obrigue a pôr fim ao cerco”.
Para o pequeno número de palestinos relativamente seculares que vivem em Gaza, a tendência à islamização da vida é preocupante.
Ahmed Shawa, 18, estava voltando para casa do estádio onde joga basquete, recentemente, quando foi parado por um homem que lhe mandou não usar shorts e camiseta regata. Quando Shawa discordou, o homem o ameaçou: “Da próxima vez, usarei outro método”.


Taghreed El Khodary apurou desde Gaza, e Ethan Bronner, desde Jerusalém


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