São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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PLANETA EM MUTAÇÃO

Os enigmas climáticos

Na floresta, saídas para capturar emissões

Empresa que explora árvores quer salvar floresta e lucrar

Kemal Jufri/Imaji para o New York Times
O indonésio Amiruddin (à esq.) notou mudanças na cor da água por causa da drenagem da turfa na península de Kampar, o que libera CO2

Por NORIMITSU ONISHI
teluk meranti, Indonésia
Uma das maiores florestas de turfa do mundo, na península de Kampar, na Indonésia, é também um dos maiores depósitos de dióxido de carbono, fonte de uma moeda potencialmente lucrativa no momento em que se discute um novo tratado climático global. Esse depósito, porém, está vazando.
Canais -usados legal e ilegalmente- ligam os rios até quase o miolo impenetrável da península. Drenando e secando lentamente a terra com turfa (formada por musgos e plantas em decomposição), eles liberam dióxido de carbono, contribuindo para fazer da Indonésia o terceiro maior emissor mundial de gases do efeito estufa, atrás da China e dos EUA.
Os vazamentos ficaram evidentes para uma família de pescadores da aldeia de Teluk Meranti, que remava com sua canoa. "Posso dizer que a terra com turfa está vazando porque a água aqui está ficando mais marrom e mais ácida", disse o pescador chamado Amiruddin, 31, enquanto sua esposa, Delima, 29, retira água cor de café para beber.
Florestas como a da península de Kampar estão no centro de um crescente debate sobre o formato de um novo tratado climático global que está sendo discutido até sexta-feira numa conferência em Copenhague.
Governos, cientistas e empresas já argumentam sobre quais tipos de florestas devem ser classificadas como redutoras de carbono, e quais tipos de projetos devem ser financeiramente recompensados.
Os argumentos a respeito de Kampar se tornaram particularmente acalorados não só por causa da sua importância ecológica, mas porque o plano mais detalhado até agora para acabar com o vazamento da terra com turfa vem de uma fonte improvável: uma gigantesca empresa de papel e celulose que, segundo seus críticos, tem sido uma das forças motrizes do desmatamento na Indonésia.
A empresa Asia Pacific Resources International Limited, ou April, diz que deseja criar um anel de plantações de árvores para fins industriais em torno do miolo da península, de forma a preservar a área. Ela pretende também receber créditos de carbono por isso, sob um programa das Nações Unidas, chamado REDD (Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal).
Esse programa deve ser incluído no futuro tratado climático. Ao contrário do Protocolo de Kyoto, de 1997, o novo tratado deve abordar o desmatamento, que representa 20% das emissões mundiais de gases do efeito estufa. Parar o desmatamento em nações que têm florestas tropicais, como Indonésia e Brasil, que é o quarto maior emissor global, é considerado um fator crucial para conter o aquecimento do planeta. Países em desenvolvimento que preservarem suas florestas receberiam créditos de carbono que poderiam ser vendidos a nações industrializadas que precisem cumprir suas metas de redução de emissões.
Embora os detalhes do programa provavelmente levem meses ou anos para serem resolvidos, mais de 12 projetos do programa da ONU já estão em andamento na Indonésia, apoiados por entidades tão díspares quanto grupos conservacionistas, o governo australiano e a Merril Lynch, além de empresas de papel e celulose.
Ambientalistas dizem que as empresas de papel e celulose, após anos saqueando a Indonésia, não deveriam ser recompensadas pelo programa.
"São elas que fizeram o estrago", disse Michael Stuewe, especialista em Indonésia da entidade ambientalista WWF. "Agora estão dizendo: 'Nós fomos meninos maus, agora somos bons, então nos deem dinheiro'."
As empresas argumentam que o programa da ONU pode lhes dar incentivos financeiros para preservar as florestas ao mesmo tempo em que elas ampliam suas operações, uma meta apoiada pelo governo indonésio, que vê o setor de papel e celulose como um esteio do desenvolvimento econômico do país.
"Poderíamos talvez reduzir as emissões anuais indonésias em 5% com este único projeto", disse Jouko Virta, executivo da April. "Isso é muito significativo. Um só projeto."
A península de Kampar é um dos últimos pedaços de verde que restam no centro de Sumatra, onde as florestas foram derrubadas para dar lugar a plantações de dendê e de árvores para fins industriais, especialmente as que pertencem à April e à sua principal rival, a Asia Pulp and Paper, ambas de propriedade de conglomerados indonésios. Segundo a WWF, em Riau, Província onde as duas empresas têm suas principais fábricas e plantações, dois terços das florestas locais desapareceram nos últimos 25 anos.
Se a April adquirir o controle do centro da península, poderá ser paga para protegê-lo. A empresa diz acreditar que poderia, no mínimo, ser recompensada pelo anel, cerca de metade do qual seria transformado em plantações de acácias, e metade deixada como florestas naturais, ou o que chama de "áreas de conservação".
"O carbono que estamos armazenando nas áreas de conservação poderia ser financiado por meio do REDD", disse Virta.
Agur Purnomo, que dirige o governamental Conselho Nacional sobre a Mudança Climática, disse que haverá meses ou anos de negociações após a conferência climática deste mês para que se determine se o anel da April seria elegível para os créditos de carbono.
Purnomo afirmou que as autoridades temem que a posição da Indonésia como terceiro maior emissor global de gases do efeito estufa aumente a pressão para que o país reduza suas emissões. "Vamos continuar subdesenvolvidos por causa disso?", perguntou.
Desde que começou a operar uma nova concessão ali, em setembro, a April gerou empregos em Teluk Meranti. Como parte da sua iniciativa comunitária, trouxe um novo gerador para aumentar a oferta de eletricidade e materiais de construção para reformar duas mesquitas.
Mas Teluk Meranti ainda não aderiu à visão de futuro da April. A ampla maioria dos moradores da aldeia continua sendo contra a presença da empresa ali, segundo adversários e defensores da companhia. "Não sabemos o que vamos receber", disse Firdaus, 39, que mantém uma improvisada loja de conveniência. "Que direitos nós temos?"
Ele não estava a par do projeto de anel florestal da April. Mas, sim, havia ouvido falar, por meio de grupos ambientalistas, da importância da turfa. "Disseram-nos para proteger a turfa por causa do clima", afirmou.


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