São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Banco de créditos de carbono pode ser empecilho

Por JAMES KANTER
A Rússia estaria mantendo refém o futuro do sistema de limites e negociação de emissões de carbono ("cap-and-trade"), que muitos especialistas consideram um instrumento crítico para conter os gases do efeito estufa? Embora pareça improvável, a resposta pode ser "sim".
Isso porque a Rússia, em consequência do colapso de grande parte de sua indústria pesada na década de 1990, possui um dos maiores estoques de créditos para compensar as emissões de carbono.
A vantagem imerecida, um legado do Protocolo de Kioto, que tentou enfrentar a ameaça da mudança climática, vale vários bilhões de dólares. Se forem vendidos repentinamente no exterior, esses créditos poderão fazer o preço do carbono nos frágeis mercados de emissões do mundo despencar a quase zero.
A maioria dos economistas diz que sem um preço previsível e razoavelmente alto para as emissões de carbono é pouco provável que se façam os muitos investimentos necessários para passar de uma economia industrial, de intenso uso de carbono, para uma base energética mais sustentável.
O comércio de carbono se baseia principalmente em licenças, que são emitidas ou vendidas pelos governos para as empresas que emitem CO2 e outros gases considerados nocivos à atmosfera. Se emitirem mais que uma quantidade específica de carbono, as empresas serão solicitadas a comprar licenças ou buscar créditos em outros lugares. Se ficarem abaixo do limite, elas poderão lucrar vendendo suas licenças.
Quando os governos diminuírem os limites, os preços para as licenças e créditos deverão aumentar. Os defensores do comércio de carbono dizem que o sistema está funcionando quando as companhias que precisam comprar licenças de alto custo reduzem sua produção, investem em tecnologia mais limpa ou compram créditos de emissões de uma companhia que tomou medidas para reduzir as emissões ou absorver os gases do efeito estufa da atmosfera.
O principal modelo desse sistema já funciona na União Europeia, que pediu que todos os países industrializados tenham sistemas implantados até 2015 e que as economias em ascensão como a China e a Índia os adotem até 2020.
Mesmo que se desenvolva um mercado global, porém, especialistas advertem que o comércio de carbono não deverá ser capaz de produzir cortes de emissões na escala necessária para manter o aumento da temperatura global dentro de um nível que, segundo cientistas, evitará mudanças perigosas.
Grupos ambientais advertem que os mercados de carbono poderão acabar fornecendo apenas uma fração do dinheiro que alguns países pobres esperam, principalmente porque os países ricos não estão dispostos a definir seus limites de maneira suficientemente rígida. Limites mais firmes aumentariam a demanda por mais compensação no mundo em desenvolvimento. Isso, segundo a teoria, deveria elevar o preço do carbono, e os governos que vendem licenças teriam mais dinheiro para aplicar em um futuro fundo global de proteção ao clima.
A perspectiva de a Rússia liquidar seus créditos é apenas o último desafio enfrentado pelo comércio de emissões. O estoque de créditos da Rússia é um "gorila sentado no quintal" que "ninguém ousa tocar", disse Peter Zapfel, um dos supervisores do sistema de comércio de emissões da União Europeia.
A Rússia poderia "fundamentalmente afetar a integridade ambiental de acordos que fizermos em Copenhague", ele disse.
Os países industrializados, incluindo os EUA, veem o comércio como a maneira mais barata e eficaz de ajudar a cumprir futuras metas de emissões destinadas a limitar o carbono. Enquanto isso, líderes europeus enfatizaram que qualquer projeto de comércio deve incluir a função de canalizar as grandes quantias que os países mais pobres exigiram como condição para um acordo em Copenhague.
Henry Derwent, presidente da Associação Internacional de Comércio de Emissões, grupo setorial baseado na Suíça, previu que o mercado de emissões poderá valer US$ 3 trilhões no final da próxima década, comparado com cerca de US$ 130 bilhões hoje.
Em vários países, no entanto, lobbies poderosos, muitas vezes apoiados pela indústria do carvão, bloquearam projetos de lei para limitar as emissões. E onde esses sistemas foram implementados, especialmente na Europa, os baixos preços e a volatilidade dos mercados de carbono assustaram os investidores, em vez de incentivá-los a investir em energia limpa.
Também há dúvidas sobre a maneira como as reduções dos gases-estufa poderão ser conquistadas, negociadas e administradas, reforçando a opinião de que os mercados de carbono poderão ser apenas mais um jogo de apostas no estilo de Wall Street. "Os mercados de carbono têm um papel importante a exercer", disse Nicholas Stern, um dos principais economistas climáticos do mundo. Mas "todos os mercados precisam de algum tipo de regulamentação para funcionar adequadamente", acrescentou.


Texto Anterior: Os enigmas climáticos
Próximo Texto: Lente: O lado estranho da ciência

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.