São Paulo, segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

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"Bomba" para o carro que era o primeiro da classe

DAVID SEGAL
ENSAIO

A vida é apenas uma escola em letras maiúsculas, diz o clichê, e no último ano do curso de fabricantes de carros a Toyota foi o aluno nota dez que no final "bombou" e causou surpresa. Em qualquer que fosse a prova -classificação da "Consumer Reports", pesquisas de satisfação dos clientes, números de vendas-, a empresa só tirava dez, ano após ano. O desempenho não fazia apenas a Toyota parecer ótima; fazia seus rivais parecerem idiotas.
Mas, agora, vai levar muito tempo para que alguém considere a Toyota um exemplo de empresa, pois a companhia ordenou o recall de mais de 8 milhões de veículos para examinar falhas no acelerador, e seu tão falado Prius verde está sendo investigado por falhas nos freios.
Um fiasco dessa escala, por um problema tão aterrorizante quanto um carro que não pode ser freado, provocaria muita cobertura da mídia e muitas desculpas de qualquer fabricante de carros. Mas, como é a Toyota, a história tem um subtexto que simplesmente não esteve em evidência quando outros fabricantes enfrentaram problemas: um grande volume de "schadenfreude".
Sim, precisávamos que os alemães viessem com uma palavra composta que significa alegria pela tristeza dos outros, mas ela se tornou uma das reações americanas mais consagradas à decadência dos líderes em praticamente qualquer campo.
Até pouco tempo atrás, a Toyota parecia uma máquina supereficiente, milagrosamente bem azeitada. Qualidade era seu produto. Os veículos simplesmente rodavam e rodavam.
Era a marca que "Coelho" Angstrom vendia em "Coelho Enriquece", de John Updike. O romance começa com Coelho exultante nos imperdíveis Corollas, Coronas e Celicas que voam de seu estacionamento enquanto a concorrência se preocupa com um mundo que está ficando sem gasolina.
Isso foi em 1979. (O sucesso da frota, não o romance, que saiu dois anos depois.) Ouviu-se falar muito na época sobre cotas de importação, mas qualquer ansiedade que os americanos sentissem sobre um monstro estrangeiro devorando o mercado dos EUA tendia a desaparecer na hora de comprar o carro da família.
A empresa de certa forma tinha resolvido o enigma das relações trabalhistas e engenharia que deixava as companhias americanas no atoleiro. A Toyota ficou famosa por sua filosofia de administração exótica, uma coleção de epigramas um tanto opacos ("Embutir qualidade nos processos") e padrões elevados.
Para a Toyota, existe um elogio dúbio em algum ponto da cascata de incredulidade e litígio. Quando a Ford fez o recall de 7,9 milhões de veículos em 1996, depois que as ignições de alguns veículos se incendiaram, houve muita raiva, mas não tanto choque.
"Os japoneses, por causa de sua cultura, a última coisa que fariam é tripudiar sobre alguém", diz um revendedor da Toyota no Maine, que insistiu em manter-se anônimo porque a empresa disse que as ligações da mídia seriam encaminhadas para a sede nos Estados Unidos. "Mas, se isto fosse a Chrysler, o recall receberia tanta atenção? Não, não receberia. Porque eles não são conhecidos por fazer ótimos carros."
Para os concorrentes da Toyota, o negócio é aproveitar o raro e catastrófico erro da companhia sem parecer totalmente predadores.
"Eu nunca fico satisfeito com as dificuldades de outra pessoa", disse Bob Tasca, da Tasca Ford. Mas ele se apressou a acrescentar: "A reputação da Toyota foi gravemente prejudicada".
Para ele, o importante é a oportunidade de reabituar os motoristas de Toyotas aos Fords.
"A Toyota prestou atenção aos detalhes, e em certo ponto eles ultrapassaram os carros americanos. Durante muitos anos ninguém negaria que a Toyota fazia carros de maior qualidade que os nossos", disse Tasca. "O frustrante é que nos últimos vários anos o produto da Ford era tão bom quanto o da Toyota, e em alguns casos melhor. Mas ninguém acreditava em nós."
A Toyota está recebendo o tipo de fogo que se dirige a um alvo antes inatingível.
"É como ser a vítima no jogo de queimada", disse o revendedor Toyota. "E você é o garoto que nem sequer tirou os óculos."


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