São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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Ex-rebeldes se tornam guardiães ecológicos

Por PETER GELLING

BANDA ACEH, Indonésia - O vasto interior da selva que recobre a Província de Aceh, no norte da Indonésia, por décadas serviu de refúgio seguro para milhares de soldados rebeldes que travavam uma guerra de independência.
Agora, ainda marginalizados e em grande medida desempregados, apesar de quase cinco anos de paz, muitos ex-separatistas voltaram à floresta -desta vez para derrubá-la.
"Falei recentemente com um antigo capitão rebelde e perguntei por que ele continua a desmatar as florestas de Aceh ilegalmente", contou Mohammad Nur Djuli, chefe do Corpo de Reintegração de Aceh, organização criada pelo governo provincial em 2006 para ajudar antigos combatentes a reintegrar-se à sociedade. "Ele disse: 'Se você alimentar meus 200 homens, jogarei esta motosserra no rio'. Que resposta eu poderia dar?"
Um programa do governo chamado Aceh Verde quer oferecer essa resposta.
Cinco anos depois de um terremoto e um tsunami terem devastado boa parte da Província de Aceh, deixando 170 mil mortos, o governo provincial deu início a uma estratégia de desenvolvimento econômico. O objetivo é incorporar desenvolvimento sustentável, integrar ex-combatentes à sociedade e gerar empregos que realizem a meta do antigo movimento separatista: garantir que a receita dos recursos naturais beneficie a população local.
Centenas de antigos rebeldes, que provavelmente conhecem a selva de Ulu Masen melhor que ninguém, estão sendo treinados pela Fauna e Flora Internacional, um dos mais antigos grupos ambientais internacionais presente em Aceh, para atuar como guardas florestais. Eles percorrem a floresta à procura de madeireiros e caçadores ilegais.
Os guardas são escolhidos por suas comunidades e atuam como um grupo independente, complementando uma força de polícia florestal já existente -sua antiga adversária. Após treinamento de dez dias, os ex-rebeldes recebem seus diplomas, que vêm na forma de abraços, em pé dentro de um rio. Um a um, os novos guardas são mergulhados no rio por seu "treinador mestre" e recebem um uniforme limpo com o qual iniciar suas vidas novas.
"Muitos deles choram", contou Matthew Linkie, administrador da Fauna e Flora Internacional em Aceh. "É espantoso ver isso acontecendo com esses homens durões. De proscritos e criminosos, esses sujeitos estão se tornando heróis. Eles nos informam o que está acontecendo em lugares muito remotos da selva, normalmente muito difíceis de monitorar."
O programa Aceh Verde foi idealizado pelo governador Irwandi Yusuf, que é ex-rebelde, veterinário formado nos EUA e fundador da unidade da Fauna e Flora Internacional em Aceh. Ele apresentou o programa para o mundo na Conferência da ONU sobre mudanças climáticas realizada em Bali em 2007.
À base das dificuldades enfrentadas pelo Aceh Verde está a ausência de um Estado atuante em boa parte da região. Mais de 30 anos de conflitos, além do tsunami, deixaram os governos provincial e local em frangalhos. Segundo organismos como o Transparência Internacional, a corrupção ainda corre solta ali.
Para alguns, porém, o programa Aceh Verde virou uma espécie de nova doutrina provincial. Kamarullah, 32, que, como muitos indonésios, usa apenas um nome, é ex-combatente rebelde e trabalhou na derrubada ilegal da floresta. Ele disse que hoje se considera um ativista ambiental.
"Eu nunca soube como fazer uso correto da floresta", disse durante uma patrulha recente. "Hoje compreendo a importância dela. Agora, mesmo que eu deixe de ser guarda florestal, sempre vou proteger a floresta."


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