São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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Caso de abuso agita classe média indiana

Menina é bolinada, e sistema corrupto da Índia é escancarado

Por LYDIA POLGREEN

PANCHKULA, Índia - Ela era uma talentosa tenista de 14 anos que esperava se profissionalizar. Ele era policial graduado e presidia um clube de tênis. Ele a atraiu para o seu escritório e a bolinou.
Esse encontro desencadeou uma saga que já dura quase 20 anos. A família da menina Ruchika Girotra ameaçou prestar queixa. Shambhu Pratap Singh Rathore, membro do primeiro escalão da polícia do Estado de Haryana, então travou uma campanha de assédio e intimidação contra Ruchika, a ponto de ela acabar cometendo suicídio. O irmão dela, Ashu, foi falsamente acusado de furto de veículos e disse ter sido agredido sob custódia. Enquanto isso, Rathore ascendia na corporação até se aposentar, em 2002, como chefe da polícia estadual.
Meninas são molestadas o tempo todo na Índia; autoridades poderosas costumam abusar de seus cargos para evitar processos penais; os tribunais são lentos e com frequência corruptos.
Mas o caso é emblemático de como a crescente classe média da Índia, estimulada por uma imprensa vigorosa, está cada vez mais disposta a reagir. Uma cronologia do drama da família Girotra pode ser remontada a partir de entrevistas com testemunhas, documentos judiciais e registros policiais.
Em 12 de agosto de 1990, Ruchika foi visitar Rathore em seu gabinete, levando consigo sua amiga Aradhna. Rathore retirou Aradhna da sala. Quando ela voltou, minutos depois, viu Rathore pressionando seu corpo contra Ruchika. "Eu o vi segurando a Ruchika com força"', contou Aradhna. "Ela não conseguia nem respirar."
Assustado, Rathore deixou que Ruchika saísse correndo da sala. As duas sabiam que um chefe de polícia como Rathore tinha poderes para fazer mal às suas famílias, contou Aradhna. As meninas decidiram ficar em silêncio.
Mas, no dia seguinte, Rathore chamou Ruchika outra vez. Aterrorizadas, elas contaram o caso aos pais. O pai de Ruchika, S.C. Girotra, e vários vizinhos dele foram até a casa de Rathore. Girotra disse que só desejava um pedido de desculpas. Mas Rathore escapuliu.
Girotra escreveu às autoridades de Haryana. Ruchika e sua família, então, começaram a ser alvo de intimidações.
Primeiro, ela foi expulsa da sua escola. Três anos se passaram. Ashu, então um universitário de 19 anos, foi preso sob suspeita de furtar automóveis. Contou que foi agredido e passou dois meses a pão e chá. Acabou sendo libertado sob fiança. "Ela [Ruchika] se sentiu responsável por esse estado de coisas", relatou Ashu.
Logo ele foi detido novamente e passou semanas preso sem explicação. Em 25 de dezembro de 1993, a polícia levou Ashu até o bairro da família Girotra e desfilou com ele pelas ruas, surrado e algemado. "Os policiais disseram à Ruchika: 'Está vendo a condição do seu irmão? A mesma coisa vai acontecer com o seu pai'", contou Girotra.
Três dias depois, ele encontrou a filha inconsciente na sua cama, com uma espuma branca na boca. Ela havia se envenenado. Morreu um dia depois, aos 18 anos.
Ashu foi solto no dia seguinte à cremação da irmã. Um juiz posteriormente concluiu que não havia provas contra ele. Girotra vendeu sua casa assim que conseguiu, por uma fração do valor real, e se mudou com o filho para outro Estado.
Rathore foi promovido por uma série de ministros-chefes, chegando ao topo da polícia estadual em 1999. Mas o caso de Ruchika não evaporou. A amiga Aradhna e os pais dela, Anand e Madhu Parkash, continuaram pressionando por uma investigação completa.
Rathore moveu ações cíveis e penais contra a família. Parkash foi rebaixado de função e acabou sendo obrigado a se aposentar prematuramente, com uma pensão reduzida.
Mas a telegênica e articulada família Parkash chamou a atenção dos florescentes canais de notícias 24 horas da TV indiana, que encamparam a história de Ruchika como uma cruzada. A família Parkash travou uma divulgadíssima batalha nos tribunais para conseguir imputar acusações a Rathore, e finalmente, em 1999, a Alta Corte de Haryana se manifestou a seu favor.
Em janeiro de 2000, quase uma década depois do incidente, Rathore foi formalmente acusado de molestar Ruchika Girotra. Poderia ser condenado a até dois anos de prisão. Foi afastado da polícia.
O julgamento durou praticamente mais uma década.
Finalmente, em 21 de dezembro de 2009, quase 20 anos depois do crime, Rathore foi condenado por molestar Ruchika. O juiz lhe impôs uma sentença reduzida de seis meses de prisão, depois que a mulher dele argumentou que o longo julgamento e a idade do réu, 67 anos, lhe davam direito a leniência. Ele também foi multado em mil rúpias, cerca de R$ 39. Rathore está em liberdade enquanto recorre do veredicto.
"Esta é uma luta contra um sistema apodrecido", disse Parkash. "Temos de fazer nosso dever. Vou levar este caso até o seu final lógico, até o final da minha vida."

Colaborou Hari Kumar



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