São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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Cultura humana tem força evolucionária, dizem cientistas

Por NICHOLAS WADE

As populações humanas, a exemplo de outras espécies, são moldadas pelas forças usuais da seleção natural, como a fome, as doenças ou o clima. Agora, uma força nova chama a atenção. É algo que carrega implicações surpreendentes: a ideia de que, mais ou menos nos últimos 20 mil anos, as pessoas têm inadvertidamente moldado sua própria evolução.
A força em questão é a cultura humana, definida a grosso modo como qualquer comportamento aprendido, incluindo a tecnologia. Biólogos têm visto a cultura humana como um escudo que nos protege contra outras pressões seletivas, já que roupas e moradia protegem contra o frio, e a agricultura, contra a escassez de comida.
Devido a essa ação protetora ou amortecedora, acreditava-se que a cultura teria reduzido o ritmo da evolução humana no passado distante, ou até mesmo o interrompido. Muitos biólogos hoje enxergam o papel da cultura sob uma ótica muito diferente.
Embora ela de fato proteja as pessoas contra outras forças, a própria cultura também parece constituir uma força poderosa de seleção natural. As pessoas se adaptam geneticamente a mudanças culturais, como dietas novas. E essa interação funciona mais rapidamente que outras forças seletivas, "levando alguns a argumentar que a coevolução genético-cultural pode ser o modo dominante de evolução humana", escreveram Kevin N. Laland, biólogo evolutivo na Universidade St. Andrews, na Escócia, e colegas na edição de fevereiro da "Nature Reviews Genetics".
Dois proponentes destacados desse argumento -Robert Boyd, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e Peter J. Richerson, da Universidade da Califórnia em Davis- vêm argumentando há anos que genes e cultura se interligam para moldar a evolução humana.
A melhor evidência em favor disso encontrada por Boyd e Richerson é a tolerância à lactose constatada entre muitos europeus do norte do continente. A maioria das pessoas desliga o gene que digere a lactose do leite pouco depois de ser desmamada, mas, entre europeus do norte -descendentes de uma cultura pecuarista antiga que emergiu na região há cerca de 6.000 anos-, o gene continua ligado na idade adulta.
Hoje, a tolerância à lactose é reconhecida como um caso em que uma prática cultural -consumo de leite cru- provocou uma mudança evolutiva no genoma humano. Presume-se que a nutrição garantida pelo leite fosse uma vantagem tão grande que os adultos capazes de digeri-lo deixaram mais descendentes, e a mudança genética se espalhou.
O caso não é único. Os biólogos têm vasculhado o genoma humano em busca das assinaturas de genes que passam por seleção. A assinatura é formada quando uma versão de um gene se torna mais comum que outras versões, porque seus donos estão deixando mais descendentes. A julgar pelos exames, até 10% do genoma -cerca de 2.000 genes- mostra sinais de estar sob pressão seletiva.
Tais pressões ainda são recentes em termos de evolução -a maioria provavelmente data de entre 10 mil e 20 mil anos atrás, opina Mark Stoneking, geneticista alemão. Os biólogos podem inferir a razão dessas forças seletivas a partir do tipo de genes que são marcados pelos exames de genoma. Os papéis da maioria dos cerca de 20 mil genes do genoma humano ainda são pouco compreendidos, mas todos podem ser atribuídos a categorias amplas de função provável, dependendo da estrutura da proteína que especificam.
Segundo esses critérios, a maioria dos genes sob seleção parece reagir a pressões convencionais. Mas outros parecem ter sido favorecidos por mudanças culturais. Estes incluem muitos genes envolvidos na dieta e no metabolismo, e presume-se que o fato reflita a grande mudança na dieta humana durante a transição do extrativismo para a agricultura, iniciada há cerca de 10 mil anos.
A amilase é uma enzima presente na saliva e que decompõe o amido. Pessoas em sociedades agrárias consomem mais amido e possuem cópias adicionais do gene da amilase, comparadas às que vivem em sociedades que se alimentam da caça e da pesca. As mudanças genéticas que possibilitam a tolerância à lactose foram detectadas não só em europeus, mas também em três sociedades pastoris africanas. A mutação é diferente em cada 1 dos 4 casos, mas todas têm o mesmo resultado: o de impedir que o gene da digestão da lactose seja desligado.
A cultura se tornou uma força atuante na seleção natural, e, se ela mostrar ser a força principal, é possível que a evolução humana esteja se acelerando, à medida que as pessoas se adaptam a pressões que elas próprias criaram.


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