São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

O que Mao dirigiria hoje? Um grande Hummer vermelho

PETER S. GOODMAN
ENSAIO

Mesmo num mundo que em geral deixou de se surpreender com as ironias da globalização, um acontecimento recente conseguiu gerar algo novo e antes impensável: a General Motors, recém-falida e lutando para levantar dinheiro, concordou em vender sua divisão Hummer para uma empresa da China.
Sim, a Hummer, fabricante dos famosos jipões sedentos por gasolina, cujas largura e armadura ameaçadoras têm origem no Exército americano, agora deverá se tornar propriedade da Sichuan Tengzhong Heavy Industrial Machinery Company, em um país ainda chamado oficialmente de República Popular da China.
Pode parecer incongruente, esse brinquedo guerreiro das estradas dos EUA mudando-se para um país onde a bicicleta já dominou e o coletivismo foi um princípio organizador. Mas isso só até você contemplar as realidades da China moderna e os novos-ricos nos crescentes subúrbios, dirigindo carros de luxo. Mais que um fato meramente econômico -novo sinal da ascensão chinesa e das dificuldades americanas-, a venda da Hummer é um momento cultural. Não parece casual que uma empresa chinesa esteja se apoderando do veículo. A China passou a adotar muitos dos atributos e modos de consumo que os americanos podem considerar seus, como a vasta malha de rodovias familiares a qualquer morador de Los Angeles ou Atlanta.
Enquanto a China se livrava de seu passado ideológico e modernizava agressivamente suas cidades, poderia ter razoavelmente olhado para a Europa ou o Japão como modelos de planejamento urbano. Como o Japão -lar de uma das mais sofisticadas redes ferroviárias da Terra-, a China é densamente povoada e dependente de petróleo importado. Assim como na Europa, as grandes cidades chinesas são rodeadas por terras agrícolas produtivas, fazendo parecer prudente um crescimento bastante denso.
No entanto, em uma opção que os americanos conhecem, a China colocou o automóvel no centro da vida contemporânea. Derrubou edifícios mais antigos em todas as grandes cidades para abrir lugar para mais veículos. Ergueu uma impressionante rede de estradas que cruzam o vasto país. A qualidade do ar e a eficiência energética foram superadas pela reverência ao carro.
Num país onde tantas pessoas se lembram com amargura dos tempos regimentais do maoísmo, e onde o transporte público ainda significa ônibus e trens lotados, o carro tornou-se uma nave de sonhos.
"Por que você quer um carro?", perguntei a um jovem casal de profissionais que comprava um veículo perto de Pequim em 2001. A pergunta provocou um olhar irritado da mulher, como se eu estivesse sendo condescendente. "Pelo mesmo motivo que vocês", ela disse. "Nós queremos o que vocês [americanos] querem."
Enquanto dirigir evoluiu de uma mera forma de circular para um modo de vida, as vendas de carros na China cresceram 20% a 30% ao ano desde 2005. Em janeiro, pela primeira vez, as vendas mensais de veículos na China superaram as dos EUA.
Seria errado ver a China como uma espécie de cápsula do tempo dos subúrbios americanos dos anos 1950. A China está avançando para impor padrões mais rígidos de eficiência de consumo de combustível que os dos EUA, enquanto desenvolve carros híbridos. Mas, na nova divisão social chinesa, a classe média prefere veículos econômicos com motores pequenos, enquanto os ricos mexem no controle climático automático em seus sedãs de luxo.
Por isso, até parece adequado que o Hummer, veículo que só tem sentido como passatempo, seja uma marca chinesa. A China, preparada para consumir e há muito despida da parcimônia imposta pela coletividade, tentará lucrar vendendo essas feras.


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