São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

INTELIGÊNCIA/ROBERT KUTTNER

Não é a dívida, é a economia

Boston
Todos os sinais agora apontam para a estagnação contínua das maiores economias ocidentais. A ideia era que o grande acordo de redução da dívida assinado pelo presidente Barack Obama em 2 de agosto fosse tranquilizar os mercados financeiros, restaurar a confiança dos investidores e incentivar o crescimento econômico. Mas os mercados monetários globais despencaram depois de o acordo ser fechado.
Nada mais a acrescentar sobre essa teoria. A razão do pessimismo dos mercados é dada pelas más notícias na economia real. Os gastos dos consumidores, a produção manufatureira e as compras de bens duráveis estão todos mais fracos do que o previsto, segundo relatórios do governo dos EUA. O crescimento do emprego é baixo. Na Europa, a história é ainda pior. Se os EUA estão atolados em estagnação de longo prazo, isso é má notícia para o resto do mundo, já que uma demanda mais fraca por parte dos EUA desacelera inevitavelmente a economia global.
Os grandes deficits orçamentários são fruto da crise econômica, e não sua causa. Somadas as medidas de austeridade a uma economia debilitada, o poder de compra só faz declinar mais ainda. Duas questões distintas foram confundidas na discussão sobre o deficit: como recuperar-se da queda econômica atual e como solucionar os desafios fiscais de longo prazo.
EUA e Europa precisarão lidar com questões estruturais como o custo de uma população em processo de envelhecimento. Mas esses problemas não guardam quase nenhuma relação com a crise atual, que resultou de um colapso financeiro (antes do crash de 2008, a maioria dos orçamentos estava perto de equilibrada). A despeito disso, a direita política explorou essas preocupações de longo prazo para exigir cortes profundos nos gastos de agora.
O acordo do deficit, aparentemente, representou uma vitória enorme para a ala Tea Party do Partido Republicano e um revés para o presidente Obama. Quando ameaçaram deixar que os EUA dessem o calote sobre sua dívida, os republicanos arrancaram grandes concessões da Casa Branca no que se refere ao orçamento.
A disposição de Obama em fazer concessões sinalizou fraqueza, e seu índice de aprovação tem estado igual ou em queda.
Mas as perspectivas para o Congresso são ainda piores. Uma sondagem "The New York Times/CBS News" constatou que 82% dos americanos desaprovam sua atuação. Os parlamentares republicanos ganharam avaliação inferior aos democratas.
Em um sinal que constitui mau augúrio para os políticos do Tea Party, 62% dos entrevistados disseram que gerar empregos é uma prioridade, e só 29% disseram o mesmo sobre o corte de gastos.
O aprofundamento da crise econômica e o fato de o acordo sobre a dívida não ter infundido os mercados de confiança podem modificar a dinâmica política em favor de Obama. Pelos termos do acordo, um comitê bipartidário especial do Congresso terá que estudar e definir pelo menos mais US$ 1,2 trilhão em cortes até o final de novembro.
É provável que, até então, a economia já esteja ainda mais enfraquecida. E poucos políticos serão favoráveis a uma austeridade maior. Em lugar disso, os republicanos vão buscar cortes nos impostos para estimular a economia, e os democratas vão exigir impostos maiores sobre os ricos para subsidiar o investimento público e a geração de empregos.
Pelo menos, esse será um debate sensato, um que Obama poderia ganhar. À medida que a obsessão com deficit perde força, e o perigo mais urgente de uma recessão em W (de mergulho duplo) passa a ocupar o centro das atenções, essa preocupação pode beneficiar a força natural de Obama e dos democratas.
Os mercados financeiros estão transmitindo sinais ambíguos. Os fundos hedge estão pondo pressão sobre as economias europeias mais fracas, vendendo suas obrigações. As autoridades financeiras estão reagindo à crise de dívida soberana, exigindo o apertar de cintos. Ao mesmo tempo, porém, os mercados estão preocupados com a estagnação no longo prazo.
Nesse contexto, a austeridade universal é um remédio perverso, pois reduz a demanda e deixa menos consumidores em condições de comprar produtos. A América possui a capacidade singular de curar uma crise econômica prolongada que, afinal de contas, foi provocada pela insensatez de instituições financeiras americanas. Mas, para isso, será preciso uma inversão dramática das ideias amplamente aceitas.
A América poderia liderar uma saída da estagnação econômica com um programa maciço de investimento público para gerar empregos e reativar a demanda. A maior parte desses gastos públicos -com infraestrutura, energia limpa, transportes ferroviários modernos, sistemas avançados de água e esgotos e sistemas elétricos de grade inteligente- geraria empregos no setor privado. A restauração da demanda nos EUA beneficiaria seus parceiros comerciais.
Depois da Segunda Guerra, não nos concentramos em saldar a dívida enorme contraída durante a guerra, que era muito maior em proporção à economia do que é a dívida atual. O objetivo era a recuperação econômica, e adotamos medidas como a Lei dos Veteranos (a G.I. Bill of Rights) e o plano Marshall. E o crescimento econômico se encarregou de resolver a dívida. Neste momento, o que o mundo precisa dos EUA é desse tipo de providência.

Robert Kuttner é coeditor da "The American Prospect" e membro da Demos. Seu livro mais recente é "A Presidency in Peril". Envie comentários para o e-mail intelligence@nytimes.com


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