São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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Beijaços e bailes no Chile pela educação

FERNANDO NAHUEL/AGÊNCIA EUROPEIA PRESSPHOTO
Estudantes chilenos exigem reforma do ensino em protestos de até 100 mil pessoas. Uma manifestação em Santiago no mês passado

Por ALEXEI BARRIONUEVO
SANTIAGO, Chile - Com um cobertor cobrindo suas pernas, Johanna Choapa e Maura Roque, ambas de 17 anos, se sentaram diante do palco de um auditório escolar gelado e pediram a mais de 300 pais e professores que continuassem a apoiar a greve de fome delas, que visa pressionar o governo para reformar o sistema de ensino do Chile.
"Queremos que o governo sinta a pressão da parte de vocês e de nós. Precisamos de muito apoio", disse Roque, que afirmou estar tomando apenas líquidos há 11 dias.
Cerca de três dúzias de estudantes secundaristas e universitários recorreram à greve de fome para aumentar a pressão sobre o presidente Sebastián Piñera. Nos mais de dois meses passados desde que os protestos pela educação começaram no país, estudantes já organizaram manifestações que atraíram até 100 mil pessoas e assumiram o controle de dezenas de escolas em todo o país. Seus protestos, e as reivindicações que os movem, ajudaram a fazer a popularidade do presidente cair para o nível mais baixo desde que ele chegou ao poder, no ano passado.
Se, do outro lado do mundo, a Primavera Árabe já perdeu seu viço, as pessoas aqui estão vivendo o que alguns descrevem como o "Inverno Chileno". Segmentos da sociedade que eram vistos como despolitizados, especialmente os jovens, vêm adotando postura de confronto em relação ao governo e à elite empresarial, reivindicando mudanças na educação, nos transportes e na política energética.
Em 4 de agosto, colegiais e estudantes universitários entraram em choque com a polícia, que usou gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar os manifestantes. Pessoas promoveram um panelaço diante de suas casas em apoio ao movimento estudantil e para criticar a repressão policial. Ao anoitecer, bolsões de Santiago estavam cobertos de um manto de gás lacrimogêneo, mais de 500 pessoas tinham sido detidas, e havia mais de uma dúzia de policiais e manifestantes feridos.
Aos olhos do mundo externo, o Chile parece ser um modelo de coerência econômica e administração fiscal prudente, mas, no país, existe uma insatisfação profunda com o modelo neoliberal e suas consequências econômicas para quem não faz parte da elite econômica.
Em 2010, quando Piñera tomou posse como o primeiro presidente de direita do país desde a ditadura do general Augusto Pinochet, os eleitores jovens mantiveram distância; poucos deles se cadastraram para votar. Em julho, porém, Piñera observou que os chilenos estavam testemunhando uma "nova sociedade" em que as pessoas "se sentem mais empoderadas e querem sentir que são ouvidas".
Ele disse que os chilenos estavam se rebelando contra a "desigualdade excessiva" em um país que tem a renda per capita mais alta da América Latina, mas uma das distribuições de renda mais desiguais da região. Piñera já descreveu essas desigualdades como "imorais", mas demonstrou impaciência com os manifestantes, declarando que "há um limite para tudo".
Os manifestantes vêm dando mostras de criatividade. Corredores se revezavam para tentar completar 1.800 voltas em torno do palácio presidencial de La Moneda, para simbolizar o US$ 1,8 bilhão de dólares anuais que os manifestantes pedem para o sistema de ensino público chileno.
Outros promoveram um beijaço em massa, se fantasiaram de super-heróis, dançaram como zumbis ao som de "Thriller", de Michael Jackson, e chegaram a encenar falsos suicídios coletivos.
Em 1981, o general Pinochet criou um sistema que incentivou o desenvolvimento de universidades particulares, com fins lucrativos, algo que ocasiona altos níveis de endividamento estudantil.
Antes do decreto de Pinochet, havia oito universidades públicas no Chile e menos de 150 mil estudantes universitários.
Hoje, mais de 1,1 milhão de alunos estudam nas universidades do país, que tem cerca de 17 milhões de habitantes. Há mais estudantes nas faculdades particulares do que nas públicas.
Piñera tinha prometido promover uma reforma universitária, mas, no fim de abril, os líderes estudantis perderam a paciência e começaram a organizar protestos. "Por anos, a geração de nossos pais teve medo de se manifestar, pensando que era melhor conformar-se", disse Camila Vallejos, líder de um grupo de universitários. "Nós, os estudantes, estamos dando um exemplo, sem o medo que acometia nossos pais."


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